São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 1996
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Pavarotti atropela gêneros em gravação filantrópica

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O tenor Luciano Pavarotti, 60, é uma competente máquina de fazer dinheiro. O que é muito bom, em termos filantrópicos, quando se trata de um show e um CD que arrecadam fundos para as crianças da Bósnia.
É bem outro o problema com "Pavarotti & Friends, Together for the Children of Bosnia". Se cada um permanecesse fiel a suas origens, o tenor cantaria suas árias e canções, e as bandas de rock se manteriam em seus repertórios. Mas não foi o que ocorreu em Modena, na Itália, na noite de 12 de setembro do ano passado. O espetáculo, com gravação agora comercializada, reúne os dois gêneros nas mesmas faixas e o resultado ultrapassa amplamente os limites do kitsch musical. Um exemplo: "Vesti la Giubba" é uma ária da ópera "Il Pagliaci", de Leoncavallo (1857-1919). Pavarotti a executa em dueto com o vocalista norte-americano Michael Bolton. A extensão de voz de ambos não é a mesma. Bolton tenta acompanhar o tenor. Não consegue e desafina.
O mesmo ocorre com "Nessun Dorma", da ópera de Giacomo Puccini (1858-1924). Os acompanhantes do tenor são nada menos que o irlandês Bono Vox (do U-2), Brian Eno (ex-Roxy Music) e Simon Le Bon (ex-Duran Duran).
O mau gosto também ocorre quando a invasão de gênero se dá em sentido oposto. É o caso da voz de Pavarotti se misturando à de Le Bon, numa composição deste último, "Ordinary World".
O CD cresce, e bastante, quando cada um conserva a sua linguagem musical: "Can We Go Higher", com Nenad Back, ou "The Long Black Veil", com The Chieftans.
O público vibrou ruidosamente com essa mistura impiedosa. As criancinhas da Bósnia estavam longe. Não puderam protestar.

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