São Paulo, sábado, 22 de junho de 1996 |
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Ana Miranda refaz imagem de escritora
ELVIS CESAR BONASSA
O livro será lançado no próximo dia 26. Afastando-se do historicismo, ela não abandonou o interesse pela pesquisa e pelo passado: o texto recria a linguagem do século 16. Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Gabriel Soares de Souza e outros escritores ou historiadores da época foram a base de sua aclimatação ao linguajar daqueles tempos. "Desmundo" narra a história de Oribela, jovem portuguesa enviada ao Brasil para satisfazer a necessidade de mulheres brancas no Novo Mundo. A epígrafe do livro é uma carta do padre Manoel da Nóbrega ao rei português solicitando a providência: "(...) porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaesquer farão cá muito bem à terra (...)". Narrativa O projeto inicial de Ana Miranda era contar essa história usando apenas expressões autênticas do período. Mas mudam-se os tempos, mudam-se sentimentos e linguagens. "Eu tinha a minha história para contar e às vezes não havia expressões que correspondessem ao que eu queria", diz a escritora. Solução: inventar. Por necessidade da narrativa, Ana Miranda engoliu o português com gosto arcaico para produzir um português arcaico com sabor moderno. Por exemplo: "Havia demandas, as audiências ficavam cheias e os procuradores e escrivães tratavam de concertar as partes por suas ordens, estava desengendrando paixões, evitando ofensas, trabalhando punindo blasfêmias, rapinas, castigando os delinquentes, sujeitando a terra como podia, mas era demais este país." A sonoridade estranha que surge em algumas passagens chega a lembrar o ritmo de Guimarães Rosa. Não é coincidência. A escritora diz que encontrou, em textos do século 16, expressões depois empregadas por Rosa. Entre elas, a célebre "nonada", que abre o "Grande Sertão: Veredas". "É tudo ficcional", diz Ana Miranda. Quase tudo. "Existe um fundamento histórico." A cidade em que se passa a trama é uma recriação do cenário baiano. O padre Gago adorado pelos moradores é o padre Manuel da Nóbrega. Mas o fundo histórico é acessório. A história de Oribela, após uns capítulos iniciais lentos, toma conta do livro. Índia A índia Temericô é bom exemplo disso. A escritora, viciada em história, foi buscar expressões tupis para construir o vocabulário confuso da personagem índia que faz companhia a Oribela (teve, para isso, boa fonte: sua irmã, a cantora Marlui Miranda, pesquisa há vinte anos as falas e os cantares dos índios brasileiros). Mas essa precisão é apenas o fundo para sobressair a imagem amorosa e veladamente erótica da convivência entre elas: "Chamasse Alteza e se pusesse de joelhos sempre ao me avistar, curvasse a alma, dobrasse a cabeça, logo se fez vassala, do que me dava uma conciliação entre as inimizades da alma. E lhe ordenava muito beijar meus pés, ao lavar." É o sexto livro de Ana Miranda. Narrado em primeira pessoa, é, em certo sentido, para ela o primeiro: "Procurei quebrar todas as coisas que sempre usei. Me senti mais livre." Livro: Desmundo Autora: Ana Miranda Texto Anterior: Latorraca permanece na unidade semi-intensiva; Vitae abre inscrições para suas bolsas de 97; Loja Suck My Discs liquida estoque de CDs; Scorsese dirige filme sobre cinema italiano Próximo Texto: DESMUNDO Índice |
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