São Paulo, sábado, 22 de junho de 1996
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Chacinas em julgamento

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Na praça Afonso Arinos, em Belo Horizonte, realizou-se no dia 17/6/96 o tribunal popular sobre as oito chacinas dos últimos seis anos ocorridas no Brasil.
Tudo foi organizado com esmero pelos membros das Comissões de Defesa de Direitos Humanos, tendo à frente a incansável e benemérita dona Helena Greco, que acaba de completar 80 anos.
Houve presidente do Tribunal, advogados de acusação e defesa, testemunhas, observadores qualificados e jurados. Mais de 400 pessoas compareceram naquela noite fria, por quase três horas, para acompanhar, com respeito e dor, a narrativa das chacinas: Acari, RJ (julho, 90); Carandiru, SP (outubro, 92); Candelária, RJ (junho, 93); Vigário Geral, RJ (agosto, 93); ianomamis em Roraima (agosto, 93); Corumbiara, RO (agosto, 95); Taquaril, Belo Horizonte (março, 96) e Eldorado do Carajás, PA (abril, 96).
Os fatos são conhecidos e perduram em nosso íntimo a indignação e a tristeza pelas perversidades cometidas.
As testemunhas descreveram a covardia, a brutalidade dos executores e mandantes dessas atrocidades, cujas vítimas indefesas, presidiários desarmados, menores, famílias inocentes em Vigário Geral, índios e lavradores promovendo seus direitos, foram, sem julgamento, torturados e assassinados. São mais de 200 mortos e centenas de feridos.
O advogado de acusação, dr. Aristides Junqueira, cuja atuação na Procuradoria Geral da República honrou o país, em seu libelo acusatório denunciou a evidente violação do texto constitucional que reconhece, como prioritário, o direito à vida.
"São culpados não só os que praticaram o crime, mas todos nós que, por comodismo, não exigimos o cumprimento da lei." Lamentou a forma de apuração das chacinas que, envolvendo pessoas ligadas à Segurança Pública, fica circunscrita às investigações da própria Justiça Militar.
O voto dos jurados foi unânime ao repudiar a cultura de extermínio e condenar os massacres, incluindo a necessidade de erradicar a impunidade, completar as investigações, apurar responsabilidades em todos os níveis e sustar a violência policial, civil e militar.
As lições valem para todos. A realização desse tribunal popular não só contribuiu para informar a sociedade sobre a lenta apuração dos crimes, mas revela a indignação crescente diante da impunidade.
Mostra o anseio em reafirmar a via jurídica na defesa dos direitos humanos, vencendo a tentação de revidar as injustiças pelo recurso à violência.
Quando cresce a consciência da cidadania aumenta, também, a esperança de superar os males, pela confiança em Deus e o compromisso em promover soluções adequadas que evitem as causas desses males: a demarcação das terras indígenas, reforma agrária e assentamento dos sem-terra, condições humanas nos presídios, urbanização das favelas e iniciativas educacionais para os adolescentes empobrecidos.
Em julgamento, diante de Deus, estamos todos nós.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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