São Paulo, sábado, 22 de junho de 1996
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O que interessa é a continuidade

PAUL SINGER

A sofreguidão em antecipar o futuro leva as pessoas a fazer exercícios de "anualização" que carecem de sentido. O que significa prever que a economia brasileira estará crescendo a 6% no fim do ano? Se, nos últimos meses de 1996, a economia crescer 0,487% por mês, basta elevar essa taxa à 12ª potência para chegar aos mágicos 6%. O que, provavelmente, se ocorresse, deveria ser atribuído ao pagamento do 13º salário e às festas de fim de ano. O que de fato interessa é o seguinte: a economia brasileira, mantida a atual política econômica, é capaz de crescer a 6% ao ano durante os próximos anos?
A essa questão somos obrigados a responder que não. E, para ser sucinto, por dois motivos. O primeiro é o balanço de pagamentos em conta corrente, que no ano passado apresentou um déficit de US$ 21,757 bilhões, coberto por enorme entrada de capitais, dos quais a maior parcela -US$ 19,468 bilhões- foi constituída por empréstimos de curto prazo.
Este ano espera-se que o déficit seja um pouco menor, mas apenas porque a economia está quase parada, o que contém as importações e obriga as empresas a desovar sua produção no mercado externo. Se a economia sair do ponto morto e começar a se expandir, é provável que a importação aumente e a exportação diminua, o que ameaça reproduzir o imenso déficit em conta corrente de 1995. Nessas condições, é grande o risco do fluxo de capitais mudar de sentido.
Os operadores que arriscam dinheiro no mercado financeiro brasileiro têm como objetivo os juros elevados, mas deles descontam a esperada depreciação do real. Se os dados do balanço de pagamentos indicarem aumento do déficit, isso implica maior depreciação futura do real -ao menos é lógico pensar assim-, o que, face a uma menor taxa de juros, pode muito bem levar os operadores a retirar os dólares que mantêm pousados no Brasil. Em suma, um crescimento maior da economia tende a desequilibrar o balanço de pagamentos e a corroer a confiança dos especuladores que o sustentam.
O segundo motivo é a inflação. Para fortalecer o balanço de pagamentos, seria necessário proceder a alguma desvalorização do real pelo próprio Banco Central, o que não acarretaria fuga de capitais do país, mas desencadearia pressões inflacionárias, como tentativas de repassar o aumento do custo dos importados aos preços finais. Essas pressões se somariam a outras, que estão apenas reprimidas pela recessão. O arrocho salarial, por exemplo, está sendo aguentado por amplas categorias de trabalhadores apenas por causa da virulenta ameaça de desemprego. Mas essa disposição mudaria se o crescimento da economia começasse a reduzir o desemprego.
Não é necessário aceitar mais inflação para viabilizar maior crescimento econômico. Mas seria necessário inaugurar uma política de rendas, apoiada possivelmente em algum tipo de concertação social, para garantir que os frutos do crescimento sejam distribuídos de forma socialmente justa. Que é algo que o atual governo nem sequer cogita.

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