São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 1996
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Só rindo

GILBERTO DIMENSTEIN

Professor da Universidade de Nova York, o físico Alan Sokal fez uma experiência que produziu escândalo e gargalhadas.
No início do ano, escreveu um artigo repleto de longas citações, discorrendo sobre intricados conceitos, numa linguagem só acessível a mentes privilegiadas. O texto foi publicado, com destaque, numa das principais revistas universitárias americanas.
O título do artigo desencoraja qualquer mortal: "Rompendo as Fronteiras - Em Direção à Hermenêutica Transformacional da Gravidade Quântica". Foi um sucesso.
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Em seguida, Sokal escreveu para outra publicação acadêmica, explicando que aquele inacessível artigo com título pornográfico era uma brincadeira. Nele, defendia a idéia de que o mundo real não existe e as leis da física, como a gravidade, por exemplo, são fruto da imaginação.
Não é necessário ser físico para ver a maluquice dessa idéia. Basta jogar uma bola de boliche no pé.
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Desconfio que o efeito Sokal esteja por trás da reação das universidades públicas brasileiras contra a cobrança de mensalidade dos alunos mais ricos.
Tenho sido bombardeado pelo correio eletrônico por complexas análises e números contra sugestão óbvia desta coluna -cobrar de quem pode pagar. Não é solução, mas é melhor do que nada.
Se falta dinheiro para as universidades (e falta), se o salário do professor está baixo (e está), uma das alternativas é cobrar dos alunos com maior poder aquisitivo.
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Suspeito que a mensalidade provocaria o medo de que o aluno, pagando, passasse a exigir mais produtividade. Qualquer cobrança, por menor que fosse, abalaria o pacto de mediocridade firmado entre alunos e professores na maioria das universidades brasileiras -eu finjo que ensino e você finge que aprende. E ninguém se esforça.
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As críticas que chegam pelo e-mail acusam a sugestão de ser "americanóide". Admito: o que vejo aqui me impressiona mesmo.
Os norte-americanos criaram as principais instituições de ensino superior do planeta.
Lideram a pesquisa, ganham a maioria dos prêmios Nobel, as universidades são expostas à competição. Gente de todos os lugares vêm aqui estudar.
Os empresários fazem milionárias doações, baseados na produtividade das instituições. Bill Gates, por exemplo, acaba de dar US$ 10 milhões para a Universidade de Washington criar um departamento de biologia molecular.
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De tempos em tempos a imprensa publica artigos que merecem ser pendurados na parede. Um deles saiu na página 3 da Folha na segunda-feira passada, assinada pelo professor Fernando Reinach, da USP. Nele, o autor teve a coragem de desafiar o corporativismo e relatar o desleixo acadêmico.
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PS - Se as coisas continuarem como estão nas faculdades brasileiras e eu tiver dinheiro, vou sugerir aos meus filhos que façam faculdade no exterior. Assim eles vão poder ajudar melhor o Brasil.

E-maill GDimenstein@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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