São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 1996
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MERCOSUL SEM ECONOMIA

Dentro de 60 dias associa-se a Bolívia. O acordo com o Chile vigora a partir de outubro. A Venezuela já se declarou favorável. Os Estados Unidos reconheceram que o diálogo deve ser recolocado em novos termos. Quem imaginaria essa dinâmica entre países que já estiveram em guerra entre si, alguns já passaram por autênticas guerras civis, sem falar nos vários casos de hiperinflação?
O Mercosul ganha a partir dessa cúpula que se realiza em San Luiz o estatuto de um projeto em execução, não mais de um ideal longínquo. Mas a característica que agora entra em evidência é sobretudo de ordem política ou mesmo geopolítica, ainda que a visão mais difundida coloque em primeiro plano os possíveis ganhos econômicos ou comerciais.
É o caso da aproximação com o Chile, considerado uma espécie de pequeno "tigre" latino. Será, do ponto de vista econômico, um processo lento -em muitos aspectos a economia chilena já é mais liberalizada e integrada aos mercados mundiais que os aliados do Mercosul.
Mas talvez justamente por esse seu papel de símbolo da modernização na América Latina, a gradual integração do Chile tem o dom de ajudar a recompor a imagem da região.
Afinal, o mercado chileno não é grande: são 14 milhões de habitantes diante dos 205 milhões de todo o Mercosul, um PIB de US$ 67,3 bilhões que se contrapõe ao produto de US$ 844 bilhões dos outros quatro parceiros. Um comércio exterior de US$ 30 bilhões contra os US$ 155 bilhões somados de Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. O comércio conhecido como "intrabloco" alcançou US$ 28,4 bilhões em 1995, enquanto o comércio do Mercosul com o Chile ficou em US$ 4,4 bilhões. No ano passado, o comércio do bloco com a União Européia foi de US$ 37,6 bilhões e com os EUA chegou a US$ 25,9 bilhões.
O Chile em suma coloca em evidência o fato de que a integração regional é antes de tudo o fruto da vontade política dos países da região.
A importância do aspecto político não pode ser subestimada. Os ódios regionais vêm desde o século 19, quando a Tríplice Aliança entre Argentina, Brasil e Uruguai arrasou o Paraguai. O próprio Paraguai viria a entrar em conflito com a Bolívia, nos anos 30, disputando o território do Chaco. Chile e Argentina quase foram às vias de fato em 1978, por questões de fronteira no sul de ambos os países. Entre Brasil e Argentina já houve corrida armamentista.
A realidade, hoje, é de um projeto que inclui entre as suas cláusulas uma garantia de defesa das instituições democráticas, sugerida pelos argentinos em face da recente tentativa de golpe no Paraguai.
Há muitos outros aspectos institucionais que merecem grande atenção, mais urgentes até que o fluxo de comércio ou considerações estritamente econômicas que, afinal, vão ganhando uma dinâmica própria estimulada pelos próprios mercados.
A lavagem de dinheiro, o narcotráfico, as ameaças terroristas (basta lembrar do atentado à Amia, entidade judaica, em Buenos Aires), o tratamento adequado dos paraísos fiscais e o respeito aos direitos humanos são alguns exemplos relevantes.
Nem tudo na era da globalização reduz-se a fatores econômicos. No caso dos projetos de integração regional, muitas vezes o que mais influi são os aspectos políticos e culturais. A América Latina, em especial o Cone Sul, dá agora passos decisivos para tornar real essa visão mais ampla, ainda que amparada nos interesses mais objetivos e nos indicadores mensuráveis da economia regional.

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