São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 1996
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HOMENS E LIVROS

Monteiro Lobato dizia que um país se faz com livros e homens. Deixando bem claro que homens, aqui, significa gênero humano, o Brasil não se pode queixar de falta de pessoas, mas pode e deve reclamar da falta de livros e, principalmente, da falta de qualidade dos mesmos.
Sem se preocupar com a formação das crianças que teoricamente estaria ajudando a educar, a poderosa indústria dos livros didáticos foi capaz de criar um anedotário de erros e preconceitos que, não fosse trágico, daria motivo a boas gargalhadas.
Da lista dos livros reprovados, finalmente liberada pelo Ministério da Educação, pinçam-se alguns exemplos realmente preocupantes. É claro que errar é humano, e todos erram. Ainda assim, há um limite para tudo.
O livro "Ciência e Meio Ambiente para a Vida", por exemplo, destinado à 4ª série, ensina uma criança a estourar uma garrafa colocando-a no fogo sem alertar para os riscos do procedimento ou sugerir o uso de qualquer equipamento de segurança.
Sob o sugestivo título de "Assim Eu Aprendo Ciências", uma editora procura "ensinar" um pouco de histologia definindo músculos como "as partes moles do corpo". É de se indagar se o sangue, por exemplo, é uma "parte dura".
"Brincando e construindo" realmente brinca com o aluno ao misturar as noções de metro como unidade e instrumento também de medida. A obra chega a afirmar que existem vários tipos de metro, como o de madeira, a fita métrica etc.
"A Natureza e a Pessoa" atenta contra a natureza e a pessoa: "Os alimentos são líquidos e sólidos. O ar é nosso alimento".
Na parte pérolas do racismo, em "A Natureza e o Município" afirma-se que o Dia da Abolição é o dia de "iniciar maior ajuda aos negros".
"Estudos Sociais - Fácil Saber" torna a tarefa de saber um complexo exercício de lógica. Afirma, à pág. 57, que a lua é fonte de luz artificial e que "fontes de luz artificial são aquelas criadas pelo homem". O bom aluno ver-se-á forçado a concluir que o homem criou a lua.
Seria ingenuidade acreditar que esses erros são inéditos. Muito pelo contrário, há motivos para supor que se perpetuam já há muito -há obras sendo editadas hoje que "informam" que José Sarney é o presidente da República, posto que deixou em 1990. Nesse sentido, a iniciativa, inédita, do Ministério da Educação de proceder a uma avaliação do material didático oferecido pelas editoras é digna de elogios. Infelizmente, reverter o atual quadro educacional é uma tarefa extremamente árdua.

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