São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A cada 14 segundos, Brasil precisa criar um emprego

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um emprego a cada 14 segundos. É quanto o Brasil precisaria produzir para acompanhar o aumento da sua população em idade produtiva e arrumar ocupação para 2,240 milhões de pessoas que, anualmente, atingem a faixa dos 15 a 64 anos.
A geração "baby boom" dos anos 70, a do país do futuro, chega ao presente preccionando um mercado de trabalho em retração. É o mesmo problema enfrentado pelos EUA há 30 anos, com um agravante: a crise mundial do emprego.
Novas tecnologias, recessão, enxugamento empresarial, globalização da economia, abertura das importações -as causas são inúmeras, mas levam a uma mesma conjuntura, na qual o emprego é um bem cada vez mais raro.
Desde julho de 1995, quando, após dois anos de saldos positivos, as demissões voltaram a superar as contratações no mercado formal, o Brasil já perdeu 550 mil postos de trabalho com carteira assinada.
Nesse período, quase 3 milhões de brasileiros atingiram a idade de trabalhar, mas não se incorporaram à força de trabalho nacional. Isto é: aumentou o número de desempregados.
O que seria um fenômeno demográfico positivo para a economia do país -nos EUA, dezenas de livros de marketing ensinam empresas a vender para a maior geração de consumidores, a dos "baby boomers", que o país já teve- se tornou um problema.
Na falta de uma política oficial, o mercado tenta acomodar o aumento da oferta de mão-de-obra à queda da oferta de trabalho. O primeiro efeito é que a taxa de participação dos jovens na atividade econômica está diminuindo.
"Eles estão saindo ou demorando mais para entrar no mercado de trabalho, e isso reduz um pouco a pressão por emprego", explica Sinésio Pires Ferreira, analista econômico da Fundação Seade (SP).
O fenômeno pode ser positivo se os jovens estiverem indo do trabalho para a escola. Mas não há dados que provem isso.
A outra hipótese é que as chances de achar emprego se tornaram tão pequenas que os jovens deixaram de procurar.
A pressão diminui por um lado, mas aumenta por outro.
Mais mulheres
Cresceu muito o ingresso feminino na disputa por um emprego nos últimos anos. "Hoje, mais de 50% das mulheres com mais de dez anos estão no mercado de trabalho. É um recorde", relata Ferreira.
Ele lança uma hipótese para explicar essa tendência: "A queda no nível de emprego da indústria, um setor fortemente masculino, obrigou a mulher a entrar no mercado para sustentar a renda familiar".
Setores onde aumentou a força feminina: serviços, serviços domésticos e comércio.
Não bastasse a quantidade, o trabalho também atravessa uma crise de qualidade. Os setores que tradicionalmente ofereciam os melhores salários e maior estabilidade, como a indústria, os bancos e o serviço público, estão demitindo.
Os empregos que estão sendo criados no setor de serviços são de pior qualidade do que os que estão sendo destruídos. É o que se chama de "precarização do mercado de trabalho".
"Ainda vai ter muita fusão de bancos, reestruturação de indústrias, privatizações e reformas administrativas pela frente. A capacidade de geração de emprego diminuiu", afirma o pesquisador do Ipea e da UFRJ André Urani.
Faltam investimentos
Nesse ponto concordam economistas de todos os matizes e empresários. O aumento do nível de emprego depende de uma retomada sustentada dos investimentos e esses, por sua vez, só virão se a política econômica permitir.
"A curva de emprego vai depender do ministro (Pedro) Malan e do Banco Central. Se houver melhores condições de financiamento, menores taxas de juros etc., aí a oferta de trabalho pode crescer", diz Eduardo Zaidan, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção (SP).
Setor que requisita muita mão-de-obra, a construção depende de ações do governo de várias maneiras. Para a área de habitação, falta uma política de financiamento.
No setor público, a crise fiscal impede os governos federal, estaduais e municipais de investir em novas obras.
O nível de emprego está estabilizado na construção, bem como no comércio e nos serviços. "Daqui para a frente, o aumento de vagas de trabalho depende do crescimento econômico", afirma Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio de São Paulo.
Se o pano de fundo é o aumento da oferta de mão-de-obra e a tendência de médio prazo é a manutenção do atual nível de emprego, no segundo semestre a situação deve ser menos pior, diz Ferreira.
Curto prazo
Na opinião do economista do Seade, os efeitos sazonais (compras de Natal) -aliados ao fato de este ser um ano eleitoral (obras públicas)- devem causar uma pequena elevação do nível de emprego.
Quanto a isso, os empresários se dividem. Segundo o Datafolha, 54% acham que o desemprego vai aumentar no segundo semestre, 15% apostam em diminuição e 31% acreditam na estabilização.
Se ao menos no curto prazo não há tempestade à vista, a questão é o que fazer com aqueles trabalhadores que já perderam a vez.
Urani, do Ipea, esboça um perfil do desempregado: "Na média, é um homem ainda em idade produtiva, pouco escolarizado, com muito tempo de serviço no setor onde trabalhava e cuja chance de ser reabsorvido tende a zero".
A saída, arrisca o pesquisador e presidente da Sociedade de Estudos do Trabalho, é esse desempregado se lançar como microempreendedor.
Treinamento
Para capacitá-lo a enfrentar essa nova realidade não basta o Estado lhe dar o seguro-desemprego. É preciso treinamento (em vendas, gerenciamento etc.), linhas de crédito e assistência técnica, diz.
Como exemplos, Urani defende as franquias populares em serviços e no comércio -borracharias e pequenas lojas de conveniência.
Uma outra opção é citada num relatório da União Européia sobre iniciativas locais de geração de emprego e renda: o chamado "setor quaternário", de trabalhos não mecanizáveis, como os serviços sociais.
"Um exemplo são os empregos para cuidar de crianças e idosos", lembra Urani. Pode ser uma saída: se a fatia jovem da população brasileira está diminuindo, a de pessoas acima de 65 anos é a que cresce mais rapidamente no Brasil.

Texto Anterior: Investimento cresce com a concorrência estrangeira
Próximo Texto: Calote volta com aperto na economia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.