São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
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A calcinha foi só o começo

MOACYR SCLIAR

Ela achava que é preciso experimentar tudo, descobrir novas emoções. Quando leu no jornal que uma mulher convencera o marido a usar calcinha, decidiu fazer o mesmo. Não foi fácil: o esposo, um sisudo, obeso executivo, recusou indignado: isso é coisa de veado, bradou, nunca mais me venha com uma proposta dessas. Mas ela era persistente. Aproveitou uma ocasião favorável -a noite de seu aniversário- e pediu, em lágrimas, que o marido fizesse aquela concessão, a título de presente. Resmungando, ele tirou a roupa e vestiu a calcinha vermelha que a mulher tinha comprado especialmente para a ocasião. Excitadíssima, ela jogou-se sobre ele. Fizeram amor como nunca tinham feito antes.
Convencida de que deveria ir adiante, ela tratou de comprar um esplêndido e ousado sutiã preto. Aquisição, aliás, que lhe acarretou um problema. A vendedora, que a conhecia há anos, quis saber para quem se destinava aquele sutiã tão grande. É para a minha mãe, gaguejou ela. Mas sua mãe morreu, disse a moça, cada vez mais intrigada. É verdade, ela respondeu, mas o meu pai casou de novo com uma mulher muito grande, muito gorda.
- É minha madrasta, mas eu a chamo de mãe. Sou muito afetiva.
A vendedora aparentemente aceitou a explicação, mas por via das dúvidas ela procurou outra loja, para a próxima peça, um fino négligé de renda. Que o marido vestiu já sem protestar; pelo jeito, já se resignara. Em seguida, ela comprou sapatos de salto alto, um vestido de gala, um mantô. Ficaram ótimos. A única coisa que a incomodava era que ele já não manifestava qualquer paixão na cama.
Um dia ele saiu de casa e não mais retornou.
Mandou um bilhete informando que estava providenciando a separação. Continuariam amigos, obviamente, mas já não podia viver com ela.
Recentemente ela o encontrou. Voltava de uma festa, sozinha, e passou de carro por um tradicional ponto de travestis. Ali estava ele, com o mantô, o vestido de gala, os sapatos de salto. E, seguramente, com o sutiã preto e a calcinha vermelha.
Pelo que ouviu dizer, ele está muito feliz. E ela, se não se sente de todo satisfeita, pelo menos está próspera: abriu uma loja de artigos femininos e, apesar da recessão, vende muito. Sobretudo porque se especializou em modelos ousados.

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