São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
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O dia em que TOM ZÉ encontrou ANDRÉ

MARISA ADÁN GIL
DA REPORTAGEM LOCAL

Os bárbaros invadiram o estúdio. Há dois meses, o cantor Tom Zé e o produtor André Abujamra armam uma batalha diária com terminais e mesas de som.
No estúdio Job, em São Paulo, preparam o nono disco de estúdio da carreira de Tom Zé, o último aventureiro do tropicalismo.
"A chegada ao estúdio é uma invasão", diz Tom Zé, 59. "Somos os bárbaros aqui. Tudo com o que lidamos foi feito para gravar pop, funk. Não é para a nossa música."
Baixos fragmentados, cavaquinhos atonais e experimentalismos não são bem-vindos. "Muitas vezes o gravador me diz não."
É o primeiro disco de estúdio de Tom Zé em quatro anos. O cantor e compositor baiano não gravava desde "The Hips of Tradition", lançado em 1992 pelo selo Luaka Bop, de David Byrne.
As longas pausas são comuns na carreira do cantor. Entre 1979 (ano de "Nave Maria") e 1990, não lançou nenhum trabalho.
Foi em 90 que David Byrne o resgatou, dando a Tom um selo, uma coletânea ("The Best of Tom Zé") e o reconhecimento internacional.
O ex-líder dos Talking Heads ainda faz a ponte entre o cantor e o mundo. No início do ano, Tom Zé mandou para Byrne uma fita com a pré-produção do disco.
"Depois, começamos a trabalhar aquelas cujos rascunhos prometiam mais, de acordo com ele."
No dia 15 de julho, segue para os EUA uma fita com 18 músicas. Lá, Byrne faz a seleção final (ficam 14 ou 16) e se encarrega do encarte.
O lançamento nos EUA está previsto para dezembro. No Brasil, só sai em fevereiro ou março de 1997.
Milagre
"Minha criança tem todas esperanças imaginadas e inimagináveis", diz Tom Zé, sobre o novo disco, ainda sem nome.
Pela terceira vez nos anos 90, ele tenta vencer a resistência da mídia nacional. "Eu era popular até lançar 'Todos os Olhos', em 73. Demorou 17 anos para minha música fazer sucesso, nos EUA."
Desde 90, faz turnês anuais pelos EUA e Europa. Na imprensa internacional, é comparado a John Zorn e Captain Beefhart.
"Depois do disco pronto, vou pensar nos críticos, nas rádios", diz. "Mas acho que, agora, já existe no Brasil uma expectativa para esse tipo de trabalho".
Solidão
A particularidade da música de Tom Zé começa pelo processo de criação. Suas composições têm como base, geralmente, uma linha de baixo. Depois, são criadas frases independentes para cada instrumento. O texto vem por último.
O truque é fazer com que tudo se ajuste na montagem final. "Quando dá certo, parece um milagre."
Tom Zé diz que chegou ao seu método de composição no princípio dos anos 70. "Se você quer criar, precisa abandonar a bossa nova, o dodecafonismo, a música barroca, o serialismo. Quando a solidão for terrível, você está começando a caminhar."
O compositor mantém um depósito de textos, de onde pinça as letras para o novo disco -que, segundo ele, terá um tema principal. "O Terceiro Mundo está povoado de andróides defeituosos, que deviam ser analfabetos e trabalhar em uma fábrica. Quando começam a pensar, ficam perigosos."

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