São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
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Geomancia

OTAVIO FRIAS FILHO

A extensão da avenida Faria Lima, em São Paulo, é a jóia principal na coroa de Maluf. Realizada em tempo recorde, essa obra de erradicação urbana selou o destino da Paulista, tornou os Jardins presa fácil da decadência e consolidou as duas margens do rio Pinheiros como linha de alta riqueza, provável cartão postal em futuro próximo.
Reportagem recente mostrou o ímpeto da fuga rumo ao eixo Faria Lima-Berrini, como se a Paulista estivesse sendo atacada por uma horda, e ela está. Numa ironia muito justa, coube a um imigrante dar o golpe de misericórdia na avenida-símbolo de uma classe há muito extinta. Maluf, porém, precipitou a mudança, sem ter sido seu causador.
O centro rico da cidade vem sendo deslocado na direção sudoeste, não de forma suave e contínua, mas aos saltos, deixando na esteira de sua pressa um panorama desolador de deterioração, de terra arrasada. Três ou quatro desses deslocamentos já ocorreram neste século, é como se fosse uma estratégia de "queimada" urbana.
Mas não há estratégia alguma, exceto a da riqueza que foge instintivamente, por um corredor, do cerco que avulta em redor. A parte "nobre" da cidade é, assim, erguida e demolida antes de fixar um parâmetro qualquer de qualidade urbana, de identidade ou permanência. O prefeito Maluf só levou esse estilo às vias de fato.
A região norte já se separou há muito tempo do restante e vive fechada em si mesma. Para o leste e para o sul se estende um mar de cidades concêntricas, tanto mais carentes quanto mais afastadas, embora repitam o padrão do núcleo principal, com sua burguesia própria, suas próprias simulações de submodernidade.
Como não existe um centro geográfico, dada a imensidão do conjunto, prevalece uma espécie de centro virtual, a nesga que a mídia cobre, pois ali se concentra a classe média que influi e que importa. Ali os prefeitos concentram também suas obras de impacto, sabendo que é fácil irradiá-las imaginariamente até os sertões periféricos.
O sentido da administração pública é corrigir, suplementar, às vezes até conter as tendências espontâneas da sociedade. As pesquisas de opinião consagram em São Paulo uma gestão que faz o contrário, daí a fama de realizadora. O resultado provável é gerar mais riqueza e mais pobreza, enquanto se adia o confronto entre esses dois mundos hostis.
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Leão de ouro para a campanha da Globo e sua dupla de sócios estrangeiros na TV a cabo: "Três potências se unem para dominar uma nação, sem a mínima intenção de poupar velhos, mulheres e crianças". Não é que fizeram um anúncio que diz a verdade, somente a verdade, nada além da verdade? Esses publicitários não têm mais o que inventar, mesmo.

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