São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
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"Quo vadis", PT?

VITOR BUAIZ

Os cientistas políticos costumam dizer que a política brasileira teve duas grandes novidades históricas do final dos anos 70 para cá. A primeira delas foi o surgimento do Partido dos Trabalhadores. A segunda, já no decorrer dos anos 80, foi o processo de descentralização, que transferiu poder e recursos para os Estados e municípios.
Foram esses dois fatos políticos que contribuíram para o exercício do processo de articulação e agregação de interesses, que é a própria essência da política. De um lado, o surgimento do PT contribuiu para que os chamados interesses funcionais (referentes aos grupos sociais) tivessem maior capacidade de inserção na cena política nacional. De outro lado, o processo de descentralização permitiu que a dimensão regional da política brasileira tivesse canais de expressão e transmissão.
Acho que o PT está ficando anacrônico. A crise nacional que o atinge já se desenrola por algum tempo, sem perspectivas reais de solução e reversão. Estamos, provavelmente, se não agirmos com audácia e rapidez, dando o golpe fatal sobre a utopia que gerou o embrião do novo na política brasileira.
Durante 15 anos, o PT cumpriu um papel histórico, demonstrando que é possível fazer política com idealismo e capacidade ética e indicando caminhos para que pudéssemos atingir a cidadania em sua plenitude. Nesse sentido, o da construção da cidadania, ele teve papel da maior importância. E credenciou-se como alternativa de poder, aprofundando os graus de participação e competição da política nacional.
Enquanto isso ocorria, a humanidade começava a experimentar ou aprofundar mudanças cruciais. Nos anos 80, consolidou-se a tendência de mudança do paradigma econômico-tecnológico, acarretando profundas modificações culturais (no sentido mais amplo) das sociedades. Nos anos 80, ainda, o mundo assistiu à queda do Muro de Berlim, fenômeno político e cultural que marcou uma revolução pela liberdade.
Esses fenômenos históricos provocaram, por sua vez, modificações nas demandas, aspirações e comportamentos das sociedades contemporâneas. Recolocaram novas formas de participação política; de padrões de produção e acumulação de capital; de relações Estado-mercado; de manifestações culturais; e de inserção social. Sobretudo assistimos, hoje, à emergência de um novo indivíduo, com novas formas de ação coletiva. Precisamos compreender isso para avançar.
Nesse contexto, o PT ainda não conseguiu renovar-se. Pelo contrário. Voltou-se para dentro. Abrigando as mais variadas tendências de esquerda, que surgiram desde o regime militar, passou a consumir-se internamente a partir de disputas acirradas e, até, muitas vezes, selvagens. Dessa maneira, as disputas entre as variadas tendências de esquerda, que se abrigaram ou se formaram no interior do PT, acabaram corroendo as estruturas ainda débeis de um partido em construção.
Uma vez no poder, o PT perdeu muito tempo com a dúvida hamletiana de ser ou não ser governo. Talvez porque o futuro tenha chegado muito rápido para o Partido dos Trabalhadores. Talvez, ainda, porque grande parte de suas lideranças não tenha sabido interpretar os sinais dos novos tempos. Com efeito, como já apontei acima, a queda do Muro de Berlim, a desintegração do bloco soviético, as guerras étnico-religiosas, as novas tecnologias, a massificação das informações e a globalização da economia, tudo isso tem deixado as esquerdas brasileiras assim como estarrecidas, circunspectas, estagnadas.
É preciso reagir. Antes que seja tarde. No que diz respeito ao PT, ele nasceu para ser um partido de massas, mas está virando um partido de quadros, consumido pelos conflitos internos entre as diversas tendências que abriga. Há uma dualidade de pensamentos e projetos que está se tornando irreversível e insuperável. Não há mais como sobreviver assim. O partido vem perdendo, até, a ternura. O sonho acabou, como diria John Lennon?
Nesse quadro de autofagia, o PT nivela por baixo as suas maiores lideranças, pelo simples fato de ocuparem cargos de relevo. Faz oposição cerrada e sistemática ao seu próprio governo. No meio do tiroteio, a sociedade assiste a tudo sem entender bem o porquê da autofagia. Para ela, com razão, os governantes foram eleitos para servir à sociedade -e não para servir apenas às teses e propósitos dos petistas.
Ironicamente, o chamado modo petista de governar, que hoje é uma referência internacional, foi desvinculado de uma sustentação política por parte da militância partidária. No Espírito Santo, por exemplo, três dos quatro integrantes da bancada do PT na Assembléia Legislativa vivem espinafrando o governo. Ao mesmo tempo, o único deputado federal petista do Espírito Santo acabou de acusar-me de incompetente. Quem pode entender isso?
Temo que o Partido dos Trabalhadores esteja caminhando para uma autodestruição, o que é mais grave, precoce. Haveria, ainda, muito a oferecer ao país. Mas o PT se perde em lutas intestinas. E se distancia, cada vez de forma quase mais irreversível, do sinal dos tempos e da voz das ruas.
No governo do Estado do Espírito Santo, o desenvolvimento sustentável e o bem-estar da população são os nossos objetivos-síntese. A esses objetivos estamos dedicando as nossas energias e o nosso trabalho. Na onda da irracionalidade de certas correntes internas, é lúcido perguntar: e o PT, para onde vai?

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