São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 1996
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Autocomplacência dificulta diálogo sobre modos de produção no cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A evocação de um diálogo distante, feita num artigo do cineasta Paulo Thiago, publicado nesta Ilustrada, faz sentido. Foi uma conversa árida, longa e cheia de discordâncias.
Prossegue desqualificando-o como autor de um ensaísmo ligeiro. Termina usando o critério de autoridade e citando uma crítica favorável do jornal "The New York Times" a seu filme "Vagas para Moças de Fino Trato".
Não há diálogo possível, em suma. Também não há debate. Em nenhum momento de seu artigo, Paulo Thiago propõe-se a refletir sobre o que o cinema brasileiro tem sido, sobre o que representou o modo de produção instaurado pela Embrafilme, o que se pode esperar do instante atual etc. Nem superficialmente. Nem por acaso.
Para suprir esse constrangedor vazio, tudo o que se limita a fazer é uma fofoca: eu teria prejulgado o projeto de "O Xangô de Baker Street", de Miguel Farias Jr.
Trata-se de um pequeno artigo, publicado na Ilustrada de 13/5, onde, efetivamente, se questionava um tipo de produção, buscavam-se possíveis decorrências. Ali está escrito, com todas as letras: não é o caso de prejulgar etc.
Em outro momento, o autor procura fazer crer que eu teria afirmado que "Águia na Cabeça" foi um fracasso de bilheteria (com o que sugere que uma desinformação teria sido publicada).
Ora, o fato (sucesso ou fracasso) nem ao menos é mencionado no texto. O que se diz ali é que um projeto do cinema brasileiro, nos anos 80, consistiu em buscar apoio na dramaturgia de TV (foi a época dos chamados novelões, tradição a que me sinto tentado a filiar "Águia na Cabeça", sem dúvida) e na fama dos atores de televisão, como forma de chegar ao público. Esse projeto, sim, fracassou.
No mais, Paulo Thiago é livre para acreditar que "Águia na Cabeça" filia-se à tradição policial de "Assalto ao Trem Pagador".
Será mais difícil acreditar que os ritmos imprecisos ou as interpretações aproximativas, em suma a direção de "Águia", têm algo a ver com o notável "Assalto".
É livre para sustentar que a ausência mais ou menos completa da cidade em que se passa "Vagas para Moças" deve-se a um parti pris antiturístico ou algo assim. Não há nada a fazer, exceto dizer ao espectador: veja o filme, tire suas próprias conclusões.
Mas seria justo lembrar o que disse um diretor norte-americano, Howard Hawks, que a posteridade (e, talvez, algum complô para exaltar o classicismo americano) elege como um dos maiores de todos os tempos: maus filmes são aqueles que se passam em uma época ou um lugar indefinido.
Seria possível acrescentar que certa má escrita também passa por aí. Se usa a intimidação como princípio, não é de espantar que se encha de complacência, quando o assunto é si mesmo.
Assim, depois de deixar a modéstia de lado e se comparar a Lima Barreto, escreve: "Se meus trabalhos são tão exemplares como definição de tendências ou momentos, deve haver neles, portanto, algo de mais interessante a se investigar".
Não há. Ou antes, seria possível discorrer, a respeito de como "Vagas para Moças", digamos, atira seu espectador cruelmente, boa parte do tempo, em imagens vazias, em ações que nada significam narrativamente, cobertas por uma música insistente (algo não muito diferente do retórico artigo publicado em 11 de junho).
Prefiro acreditar que o sentido principal do filme ainda esteja no que ele diz sobre o momento em que foi feito: a dificuldade de realizá-lo e, em especial, de trabalhar no escuro, sem qualquer noção do que o público poderia querer ver, naquele instante.
Se essa dificuldade tiver sido determinante para o resultado do filme, pode-se esperar de Paulo Thiago um trabalho mais forte na prometida adaptação do livro de Lima Barreto.
Caso contrário, Policarpo Quaresma verá o que é, de verdade, um triste fim.

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