São Paulo, sábado, 29 de junho de 1996
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Greve à brasileira

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A recente greve geral deve ter sido a última tentada pelas lideranças sindicais, pois ela evidenciou que a paralisação do trabalho motivada por temas genéricos, ainda que importantes, não se inclui no rol das preferências do povo brasileiro.
Independentemente dos efeitos políticos, internos e externos, com respeito às massas trabalhadoras (que pareceram distantes da compreensão das suas lideranças nacionais, quanto à greve geral), é possível, depois de alguns dias, retomar o assunto, sob a serenidade da ótica constitucional.
O artigo 9º da Carta de 1988 assegura o direito de greve. Diz mais: que a competência exclusiva para decidir sobre a oportunidade de exercer tal direito é dos trabalhadores. Apesar dos progressos da eletrônica, ainda não é possível que todos os trabalhadores ou todos os integrantes de um setor profissional sejam ouvidos a respeito da realização do movimento grevista. Em geral quem resolve é pequeno grupo de ativistas, mantendo-se silenciosa ou distante a maior parte da categoria envolvida. É a adesão dos componentes da categoria que mostra ou nega a sintonia ou a dissidência entre a massa operária e seus líderes.
Para o cumprimento da exigência constitucional da decisão pelos próprios interessados, reconhece-se a impossibilidade de colher o voto de cada um deles. Assim, os mecanismos utilizados nas assembléias profissionais, apesar da decisão pela minoria, são democráticos. Os comparecentes votam pelos demais. Criam uma obrigação solidária para o conjunto deles.
A Constituição diz, ainda, que cabe apenas aos trabalhadores a decisão a respeito dos interesses a serem defendidos por meio da greve. A definição constitucional é ampla. Não limita os interesses possíveis de serem defendidos pelo movimento paredista. Tanto podem ser questões profissionais (condições de trabalho, matérias salariais), quanto temas nacionais, previstos pela própria Carta de 88.
Quando a resolução se refira a interesses da segunda espécie, como no caso da greve geral recente, a representação dos trabalhadores assume contornos mais complicados e difíceis de serem explicados. A paralisação proposta pelas lideranças, se malsucedida, traz um significado jurídico colhido na Constituição: os representantes não conheciam a verdadeira disposição dos representados, desconhecimento que os levou a convocar uma parede indesejada pelos trabalhadores.
Em São Paulo, ao menos, o movimento criado pelas grandes centrais, com aparato preparatório que recebeu excepcional atenção na mídia, provocou trânsito fluente, lojas com clientela reduzida, bancos sem a movimentação habitual e até ônibus e metrô fáceis de tomar. Muitos compreenderam a esperteza da greve em uma sexta-feira. Serviram-se dela para o feriado longo. A desculpa foi perfeita. Não se tratou propriamente de uma adesão, mas de um aproveitamento. Foi uma greve à brasileira.
As lideranças devem repensar a greve geral no Brasil. Bem-sucedidas em outros países, aqui estão condenadas ao fracasso, mesmo quando ameaças veladas de quebra-quebra e de violência pretendam assustar os que querem trabalhar. Nem sexta, nem segunda-feira, nem véspera de feriado mudam a tendência do povo. É preciso compreendê-la e aprender com ela. Sob pena de aumentar a distância entre representantes e representados.

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