São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Morte privada

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Privatizar o público e publicar o privado. Está aí o traço característico do grupo alagoano e de seus aliados que chegaram ao poder em 90, sob o célere comando de Fernando Collor de Mello, e dele foram expelidos dois anos depois.
Em nenhum outro momento de sua história, o país teve a oportunidade de assistir com tantas minúcias e de forma tão despudorada à simbiose entre o interesse particular e os movimentos da política. Jamais presenciou, também, tão espetacular transformação da vida privada dos seus governantes em acontecimento público.
Tudo no governo Collor parecia seguir esse padrão. Do bolero da ministra com o ministro às denúncias do irmão sobre o esquema PC, motivadas pela paranóia de um golpe contra os interesses empresariais do grupo de comunicação da própria família do presidente -episódio que marcou o início da queda do império alagoano e acabou por revelar o mais fantástico esquema de corrupção e saque que o país já conheceu.
A morte de PC Farias repete o padrão.
Mais uma vez abrem-se as cortinas do palco interiorano e patético em que o grupo de Alagoas encena sua infindável tragédia.
Mais uma vez, um fato privado domina a cena, apresentando-se como explicação de um crime para o qual haveria, de sobra, motivações públicas, ligadas às tramas da política e do poder.
O maior arquivo vivo da corrupção é eliminado, o homem que poderia comprometer empresários e políticos de todos os cantos do país aparece morto, e o que se tem é um enredo à "luce rossa", uma história de alcova no litoral nordestino.
Espetinho de camarão, uísque, traição, ciúmes, pijama, camisola, dentista, jovem dama da sociedade, discussão, briga e crime seguido de suicídio. Ou crime passional seguido de eliminação da mulher assassina por um segurança orientado pelo telefone.
Não há dúvida de que o que aconteceu não foi o que a polícia disse, no início, que aconteceu.
Mas talvez não haja mesmo nenhuma motivação política na morte de PC. Talvez o destino tenha-lhe reservado o mais improvável e pífio dos finais.
Talvez o homem que muitos tinham motivos para matar, cercado de seguranças e precauções, tenha morrido pelas mãos de uma mulher que estava no proscênio da política para "namorar", como namorou Collor, como namorou o chefe da segurança, como namorou PC.
Talvez não haja nenhuma grandeza no fim desse homem que ensinou ao Brasil sua própria pequenez.
E mais uma vez, na saga dos alagoanos, o privado tenha ocupado, agora ironicamente, o lugar onde deveria estar o público.

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