São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Fazenda Alvorada abriga mais de 4.000 pessoas em "cidade"

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM JÚLIO DE CASTILHOS (RS)

O mais católico (87%) e branco (85%) dos quatro pesquisados, o acampamento da fazenda Alvorada, em Júlio de Castilhos (RS), abriga 4.369 pessoas, mais do que uma centena de municípios gaúchos. "Isso aqui é uma cidade", dizem os seus líderes.
No local desde fevereiro passado, depois de terem invadido e abandonado uma fazenda em Palmeira das Missões (RS), os sem-terra montaram 753 barracos de lona plástica, quentes durante o dia e frios à noite. Segundo os líderes, três crianças já morreram por doenças ligadas à desnutrição.
A fazenda Alvorada, às margens da BR-158, tem 15,69 km2 e foi desapropriada em agosto de 1994 para abrigar 72 famílias, já instaladas na área. Os acampados aguardam a desapropriação de novas terras para serem assentados.
O acampamento é composto por 1.644 famílias originárias de 98 municípios do Estado, a maioria do noroeste gaúcho. Dos acampados, cerca de 1.600 são crianças com idade entre até 16 anos.
Quadro-negro no mato
Segundo Adelar Portela, 30, líder dos sem-terra na região, 253 crianças frequentam as aulas dadas ao ar livre no acampamento.
Em função do calor que vinha fazendo na região, as aulas estavam sendo ministradas dentro do mato para proteger as crianças.
Quatro quadros-negros, amarrados em árvores, são os únicos sinais de infra-estrutura escolar. Cada aluno, se quiser se sentar, tem de levar o seu próprio banco.
Como começou a esfriar em meados de maio, os acampados ergueram barracos para servir de escola no inverno. Ademar Ribeiro, 13, diz que está "aprendendo a fazer contas" nas aulas. Os professores são pessoas acampadas com até o 2º grau completo.
O acampamento dos sem-terra em Júlio de Castilhos (a 394 km de Porto Alegre) não tem luz, nem água -buscada em um riacho próximo. Os banheiros são pequenos barracos montados nos fundos do acampamento. As mulheres e homens tomam banho em diferentes pontos do riacho.
A alimentação predominante é arroz com feijão. Para as 643 crianças até seis anos, há leite em pó. A alimentação é enviada pelo governo ou doada por entidades que apóiam os sem-terra. Não há horta no local -não há recursos para fazer a adubação.
O acampamento é dividido em 44 núcleos, cada qual com cerca de cem pessoas e um coordenador. Há equipes de segurança, saúde, alimentação e higiene.
Barraco do vício
O "barraco do vício", que vende cigarros e cachaça, um máximo de dois litros diários por núcleo. Ervas medicinais substituem remédios -que estão sempre em falta na farmácia.
Para se chegar ao acampamento é preciso passar por dois postos de segurança, um à beira da BR-158 e outro na porteira da fazenda, nos quais grupos de sem-terra montam guarda com foices e enxadas.

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