São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Uma leitora exclusiva

ADRIANO SCHWARTZ
DA REDAÇÃO

A diplomata Heloísa Vilhena de Araújo, 56, que trabalha atualmente no setor internacional do Ministério da Educação, conheceu Guimarães Rosa no Itamaraty.
Ela conta que, uma vez, em um almoço, ele perguntou se ela costumava rezar. "No auge da minha fase herege, disse que não. Aí ele disse: 'Ah, pois eu rezo sempre, porque tenho medo de cair na loucura'."
Não foi nessa época -de 1963 a 1966-, entretanto, que Heloísa Vilhena de Araújo conheceu a obra de Rosa.
Só alguns anos mais tarde, em 1972, ao voltar de um posto em Moscou e ficar hospedada na casa de uma amiga enquanto a sua mudança não vinha, ela leu um livro seu, "Grande Sertão: Veredas".
Desde então, estabeleceu com o autor uma relação que explica por meio do título de um ensaio do pensador inglês Isaah Berlin, "A Toupeira e a Raposa", retirado de um antigo poema grego.
"A raposa sabe muitas coisas, já a toupeira sabe uma só, uma coisa grande. Eu também sou assim, como a toupeira." Dessa relação de estudo exclusiva que mantém com Guimarães Rosa, já surgiram vários frutos, a começar por sua tese de doutorado, defendida em Londres, em 1980, no King's College.
Heloísa Vilhena de Araújo escreveu também "A Raiz da Alma" (Edusp), em que, a partir das epígrafes de Plotino, um filósofo neoplatônico, estuda a simbologia astrológica e mitológica dos sete contos de "Corpo de Baile".
A ensaísta volta, aliás, a estudar os contos em "A Pedra Brilhante", texto que compõe com "O Roteiro de Deus" o livro que a Mandarim está lançando. Só que desta vez, de uma perspectiva cristã, a partir do autor das outras epígrafes que Guimarães Rosa usou na obra, um místico do século 14, Ruysbroeck, nascido na região atualmente ocupada pela Holanda.
Não foi, contudo, apenas da obra que a ensaísta se ocupou. Na época do 20º aniversário da morte de Rosa, em 1987, o Itamaraty pediu que ela escrevesse sobre a atuação do escritor como diplomata, trabalho que resultou em "Guimarães Rosa: Diplomata" (Ministério das Relações Exteriores/Fundação Alexandre de Gusmão).
No livro, analisando-o dentro da categoria platônica do "homem justo", ela lembra vários momentos da vida profissional do autor. Em um anexo, apresenta documentos escritos por Rosa, nos quais se nota sua permanente preocupação com a linguagem e a cultura.
Em um deles, "Memorandum sobre Correção Linguística", aponta e esmiúça as correções que precisou fazer em uma minuta que recebera.
Em outro, faz sugestões sobre o conteúdo da prova do Instituto Rio Branco.
É, porém, em uma carta enviada ao cônsul Jorge Kirchhofer Cabral, inteira escrita com palavras iniciadas pela letra "C", que o seu virtuosismo fica mais evidente.
Leia um parágrafo do texto, que começa com a saudação "Caro Cônsul Colega Cabral": "Como comprovo, continuo coexistindo concerto conviventes coevos, contradizendo crença conterrâneos cariocas, certamente contando com completa combustão, cremação, calcinação corpos cônsules caipiras cisatlânticos...".
(AS)

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