São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Economia russa foi vítima de 'aventureiros'

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As dificuldades políticas na Rússia têm um claro componente de frustração com as reformas econômicas. O mesmo pode ser dito de outras reformas em outras ex-economias centralmente planejadas em que, se não voltam os ex-comunistas, há dificuldades políticas crescentes.
A frustração não é obra do acaso, mas o resultado de opções por terapias de choque irresponsáveis. Economistas como Jeffrey Sachs são hoje conhecidos como "aventureiros" por defenderem a abordagem do "big bang" na transição para a economia de mercado.
Um exemplo de crítica é o artigo "Against 'Big Bang' in Economic Transition: Normative and Positive Arguments" ("Contra o 'Big Bang' na Transição Econômica: Argumentos Positivos e Normativos"), de Shu-ki Tsang, publicado recentemente no "Cambridge Journal of Economics".
Na semana passada, referindo-se à América Latina, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Enrique Iglesias, ponderou também contra o perigo de fazer reformas sem preservar a capacidade de controle do Estado.
Tsang denuncia o "aventureirismo" e cita a China como exemplo do gradualismo necessário para construir uma economia de mercado. A privatização em massa tende a ser iníqua e a preservar ou criar máfias políticas e econômicas em países recém-saídos de sistemas fortemente planejados.
Na Rússia, por exemplo, além do choque superinflacionário, tentou-se privatizar coisas como o sistema habitacional rapidamente. O fracasso foi tão retumbante que, na prática, o governo se viu obrigado a dar os imóveis. O contraponto é Xangai, onde se projetou um sistema de privatização gradual, com reajustes progressivos de aluguéis e preços de imóveis.
Tsang critica o "big bang" dos aventureiros a partir de duas perspectivas. Citando Lawrence Summers, hoje subsecretário do Tesouro americano, Tsang alerta para os riscos de privatizar sem um sistema de avaliação de ativos.
Em 1990, Summers dizia que o melhor era adiar a venda ou distribuição de ativos até a criação de uma avaliação clara e legítima.
A outra crítica de Tsang é ao desrespeito aos "contratos implícitos", conceito caro à moderna teoria institucionalista. A moda desde os anos 70 (com novas teorias econômicas de ciclo e de expectativas racionais) é tratar o mercado como um fenômeno mental.
Tsang recorda que mercados são entidades complexas que dependem de instituições. Privatizar sem criar as instituições é o mesmo que reforçar o poder das máfias: "aventureirismo", com aparência de radicalismo "neoliberal".
Como os sistemas e seres complexos, os mercados têm partes rápidas e lentas. O sistema de preços é rápido, mas culturas empresariais evoluem mais lentamente. Sem coordenação, acreditar que o "rápido" é melhor que o "lento" não passa de ideologia ou ilusão metafísica. Aliás, na cosmologia, a teoria do "big bang" também vem sofrendo um desgaste.

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