São Paulo, quarta-feira, 3 de julho de 1996
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Monopólio da Petrobrás subsiste. Até quando?

GASTÃO ALVES DE TOLEDO

A regulação da quebra do monopólio estatal do petróleo marcha a passo de tartaruga.
Já se vão sete meses desde que foi aprovada a emenda constitucional nº 9 e não há perspectiva de que a novela termine tão cedo.
Anteprojetos foram produzidos, entregues, devolvidos, refeitos e novamente apresentados, sem que se tocasse num ponto essencial: seus autores eram exatamente aqueles cujos privilégios se queria extinguir ou limitar.
Esse vício de origem poderá ser corrigido pelo Congresso, mas não com a urgência que o Brasil requer. Todos os prognósticos são de tramitação demorada.
Ao corporativismo interessa deixar tudo como dantes no quartel de Abrantes, ignorando os anseios dos consumidores e as necessidades do país.
E, como as correntes empenhadas na manutenção do status quo são hoje reconhecidamente minoritárias, tratam de ganhar tempo. Têm grande margem de manobra. E, infelizmente, tempo é o que o país não tem mais para perder.
Prejudicados não são somente o proprietário de veículo, que paga caro por uma gasolina de má qualidade, os Estados, que cedem quase de graça os direitos de exploração de suas bacias petrolíferas, e o Tesouro, acionista majoritário que recebe uma remuneração irrisória pelo dinheiro público aplicado na Petrobrás.
Mas também o desempregado e a comunidade, que se beneficiariam do progresso trazido por novos projetos para o setor; a indústria e a agricultura, que perdem competitividade com o alto custo do óleo combustível e vêem, inclusive, comprometidas algumas das suas exportações. O prejudicado maior é o Brasil.
E não nos referimos apenas ao fato de que a Petrobrás deixou de dar ao país a auto-suficiência prometida e, 44 anos depois, se confessa incapaz de bancar os investimentos necessários -os quais, segundo o ministro das Minas e Energia, deveriam ser o dobro dos atuais US$ 3 bilhões por ano.
Mas computamos também tudo que o Brasil perde em termos de decisões de investimentos e prestígio internacional com a teimosia de manter, no auge da globalização do mercado, um dos símbolos mais característicos do protecionismo arcaico.
Como somos vistos lá fora? Em reportagem recente, a prestigiosa "The Economist" deixou claro que a quebra do monopólio pode ser uma miragem: "Se o Brasil conseguirá ou não criar um mercado competitivo no setor do petróleo depende agora de uma controvertida lei complementar de regulamentação".
O tom da matéria é entre penalizado e irônico, com alusões à "combinação de nacionalismo popular e resistência burocrática" que impede a privatização da Petrobrás.
Refere-se também à "automutilação" que os governos latino-americanos produziram, por acreditar "que os países ficam mais ricos com a exploração do que jaz no subsolo e não por meio do esforço de acrescer valor a produtos e serviços".
Enquanto isso, o ministro das Minas e Energia garante que há "investidores externos e internos" interessados em fornecer os US$ 3 bilhões adicionais que precisariam estar sendo aqui aplicados no setor de petróleo. Quais?
Melhores cenários para a atração de capitais estão sendo oferecidos não só na América Latina, mas até em países ex-comunistas.
E o deputado Luciano Zica (PT-SP) apresenta projeto de decreto legislativo (inconstitucional) visando criar um Conselho Nacional do Petróleo, integrado por meia dúzia de parlamentares, dois representantes da Petrobrás, dois dos petroleiros, dois dos revendedores e um dos consumidores.
Dá para imaginar as intermináveis querelas e a lerdeza burocrática de um órgão regulador com uma composição tão híbrida...
Vale lembrar que a proposta ministerial é criar dois órgãos administrativos (o regulador e o de recursos), com sete membros cada, nomeados pelo Executivo. Nela também estão embutidos óbvios riscos de controle corporativista.
Se nesse(s) órgão(s) não prevalecer a postura desestatizante, a flexibilização do monopólio terá sido apenas figura de retórica e a emenda de 9 de novembro de 1995, uma burla.
E, se as emendas constitucionais forem feitas para permanecer indefinidamente sem efeito por falta de regulação, melhor mudar o nome do regime. Democracia implica respeito à vontade da maioria.

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