São Paulo, quarta-feira, 3 de julho de 1996
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Nunca houve um show como aquele

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Em 1972, eu, um "barreteenense porraloca", pego um ônibus da São Manuel para São Paulo só para ver o show "Gal a Todo Vapor".
O primeiro susto: no lugar das poltronas, almofadas esparramadas pelos degraus da platéia.
Signo de hippismo em um tempo em que o desbunde, no Brasil, também era um ato político (o "alienismo" era uma das maneiras mais visíveis de contestação).
O primeiro alumbramento: a guitarra dissonante e dissoluta do Lanny, um cult ali e no primeiro disco de Jards Macalé.
Com o exílio de Gil, Caetano e tantos outros, a inacreditável voz de Gal Costa passou a ser o coração e o pulmão de todo mundo que precisava de fogo, de ar, de luz.
Mais do que um show, "Gal a Todo Vapor" representava o lado que procura o sol de uma época ("quero ver de novo a luz do sol", ela cantava; em certo sentido, o show valia por todo um Woodstock na barra pesada nacional).
Ali, pela primeira vez, tentei, como tantas vezes depois, dimensionar a importância de Waly Salomão, então Sailormoon e diretor geral do espetáculo, para a descaretização geral da cultura brasileira -ele, esse nosso moderno e eterno "kamikaze mouro".
Waly deu a dica: o show revelava, direto do Estácio para todo o Brasil, a pérola negra, o negro gato chamado Luiz Melodia.
Gal, magérrima, gostosíssima, musa da central dos baratinados e afins, ia do folclore baiano à sua estupidez reinterpretada de Roberto Carlos, passando por uma versão para sempre de "Antonico" (do grande mestre Ismael Silva), outra de "Assum Preto" (de Luiz Lua Gonzaga).
Algumas das melhores letras (além de Waly, Duda Machado, outro letrista importante) da MPB estavam no show: entender o sexo, não precisar de dinheiro, ter os olhos tranquilos de quem sabe seu preço, eu não corro perigo...
Nascia a nova sensibilidade brasileira, que foi dar na poesia marginal e na geração do mimeógrafo.
Fernanda Torres piou para o Waltinho Salles, "Vapor Barato" entrou em "Terra Estrangeira" e virou cult pela segunda vez.
Haveria mesmo de ser assim mesmo, porque nunca houve um show como "Gal a Todo Vapor'.

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