São Paulo, quarta-feira, 3 de julho de 1996
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Biotecnologia: o software transforma o mundo

BILL GATES

Às vezes, as pessoas me perguntam em que área eu estaria trabalhando se não trabalhasse com computadores.
Acho que estaria trabalhando com biotecnologia.
Prevejo avanços de tirar o fôlego na medicina nas próximas duas décadas, e os pesquisadores e as companhias de biotecnologia estarão no centro desse progresso. Acredito profundamente na informática e na revolução que ela está operando na maneira pela qual as pessoas trabalham, brincam e aprendem.
Mas é difícil argumentar que a revolução médica emergente, cuja ponta-de-lança é formada pela indústria da biotecnologia, seja menos importante do que a informática para o futuro da humanidade.
Poder sobre a vida
Também ela conferirá às pessoas mais poder sobre suas próprias vidas e elevará o padrão de vida.
Os pesquisadores estão expandindo nossos conhecimentos sobre o funcionamento do corpo no nível mais fundamental, e esse conhecimento nos está propiciando uma compreensão mais profunda das doenças e de como tratá-las.
Ainda resta muito a fazer, mas o que precisa ser feito está em elaboração em ritmo cada vez mais acelerado por cientistas espalhados pelo mundo -que tanto competem furiosamente entre si quando colaboram uns com os outros.
Quando as pessoas ouvem a palavra biotecnologia, muitas vezes pensam na divisão genética e outras formas de engenharia genética.
Esse é um ramo importante da ciência da biotecnologia, mas não constitui sua parte mais crucial.
Os maiores avanços na medicina vão resultar do mapeamento e compreensão do genoma humano -na descoberta da sequência exata dos 3 bilhões de nucleotídeos que compõem os estimados 100 mil genes que constituem a planta coletiva dos seres humanos.
Pesquisa gigantesca
É um empreendimento gigantesco.
Se os cientistas identificassem a localização exata de um pedacinho minúsculo de informação genética por segundo, 24 horas por dia, 365 dias por ano, levariam um século para mapear todos esses 3 bilhões. Graças aos computadores e à tecnologia especializada, cientistas no mundo todo estão trabalhando em um ritmo coletivo muito mais acelerado do que isso, e é possível que o projeto seja completado dentro de apenas dez anos.
Até agora, o mapa mostra a maior parte das características principais do genoma -e algumas partes selecionadas dele em grande detalhe.
Usando como analogia um mapeamento da Terra, pode-se dizer que já determinamos a localização da maioria dos países e de um bom número de grandes cidades, e já fizemos mapas detalhados de alguns bairros importantes.
Essa pesquisa é crucial para o tratamento de doenças.
Uma doença para a qual não existe tratamento efetivo constitui um enigma sem solução.
Pistas
Os pesquisadores médicos precisam de pistas sobre como criar um remédio ou tratamento efetivo para a doença em questão.
O que eles precisam é de uma pista que os ajude a resolver o caso, uma prova concreta que possa lhes indicar o rumo certo a seguir.
Uma das maneiras mais promissoras de encontrar esse tipo de pista é fazer uma comparação extremamente detalhada entre as composições genéticas de pessoas de uma mesma família -algumas das quais apresentando doença hereditária e outras não.
O objetivo desse trabalho de detetive é encontrar um gene mutante -um gene que apresente parte de suas informações genéticas desorganizadas- nas pessoas atingidas pela doença. Uma vez associado um gene à doença, ele pode ser usado para encontrar meios de criar obstáculos ao surgimento da doença.
Se for encontrado um medicamento ou outro tipo de terapia para pessoas que apresentem predisposição genética para aquela doença, ele pode muito bem funcionar para outras pessoas também.
Acredito que, com o tempo, serão encontrados tratamentos para a maioria das doenças.
Isso será uma conquista capaz de melhorar a vida de praticamente todas as pessoas, em um momento ou outro. Será preciso esperar várias décadas, ou mesmo várias vidas, até que se consiga atingir essa meta, mas cada avanço conquistado no caminho é de grande valor.
A biotecnologia não é minha área de trabalho, mas, como hobby, gosto de acompanhar seus avanços.
Ajudo a financiar um programa de biologia molecular na Universidade de Washington e faço parte dos conselhos de direção da Icos Corp. e da Darwin Molecular Corporation. Ambas são pequenas empresas de biotecnologia.
Ganhadores e perdedores
Embora haja várias grandes empresas operando nesse campo, quem estiver pensando em investir nisso deve compreender que é difícil diferenciar as ganhadoras das perdedoras, portanto é uma área de grande risco.
Uma razão pela qual me interesso pela indústria biotecnológica é que ela faz bom uso da informática.
Os computadores constituem ferramenta fundamental para a pesquisa do genoma, para encontrar padrões que combinem, para criar modelos de sistemas complexos e para se comunicar com outros pesquisadores.
Os cientistas que estão mapeando o genoma humano em diversos países diferentes usam o correio eletrônico para compartilhar suas idéias.
Eles apresentam seus resultados na Internet e buscam informações detalhadas sobre o trabalho de outros cientistas.
A Darwin, por exemplo, montou uma intranet moderníssima para ajudar seus pesquisadores a navegarem pela rede -recheada de dados sobre genética-, dentro e fora da empresa.
Ferramentas modernas
Com a ajuda da Internet e de outras ferramentas modernas de informação, uma equipe que incluía cientistas da Darwin levou apenas oito meses para descobrir um defeito genético que pode causar o envelhecimento precoce.
Os pesquisadores vasculharam 650 mil nucleotídeos até encontrar um gene mutante responsável pela síndrome de Werner, que faz com que pessoas de 40 anos tenham a aparência -e os problemas físicos- de pessoas de 80.
Se não fosse pela Internet, ainda poderiam estar a anos dessa descoberta.
Não apenas a Internet permitiu a transmissão de mensagens entre pesquisadores em diferentes lugares, como também possibilitou que fossem feitas buscas em bancos internacionais de dados sobre informações genéticas em questão de minutos, em lugar dos dias que seriam precisos para fazer a mesma pesquisa em uma biblioteca convencional.
É instigante ver computadores e tecnologias de comunicação sendo usados de maneira tão eficiente e para fins tão louváveis.
Mesmo que os PCs e a Internet não tivessem outra função senão a de facilitar as pesquisas médicas, todo o investimento que fizemos nessas ferramentas de informação já teria valido a pena. E muito.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. E-mail:±askbill@microsoft.com

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