São Paulo, quarta-feira, 3 de julho de 1996
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Uma ótima lição

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao visitar a Colômbia, um paulista ou carioca desfrutará de uma agradável e inusual sensação -a de que Rio e São Paulo são seguras. Não exagero.
Até em ambientes refinados de Bogotá, clientes são convidados a deixar a arma na porta junto com o chapéu ou casacos. Moradores trancam com correntes as ruas, vigiadas por guardas privados, muitas vezes confundidos com esquadrões da morte.
Depois da meia-noite, adolescentes que estiverem nas ruas são levados a uma delegacia de polícia: são liberados apenas quando os pais chegam. Se não chegarem, dormem no xadrez.
Numa espécie de toque de recolher, bares, restaurantes e boates não podem funcionar depois da 1h e limitam a venda de bebida. Coleto dados na Colômbia capazes de transformar até as mais violentas cidades brasileiras em lugares razoavelmente pacatos.
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Imagine uma cidade com 20 vezes mais assassinatos por habitante do que Rio ou São Paulo. Impossível? Essa cidade se chama Apartadó, norte da Colômbia, fronteira com o Panamá. Com 900 homicídios por 100 mil habitantes, ganha o título de cidade mais violenta do planeta; São Paulo é 44 por 100 mil.
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Centro de operações de um dos cartéis de narcotraficantes colombianos, Medellín tem nove vezes mais homicídios, percentualmente, do que São Paulo.
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A Prefeitura de Bogotá desconfia que boa parte dos assassinatos é provocada pela própria polícia. Lançaram polêmica proposta: tirar os revólveres da polícia, ficariam só com um cassetete.
Estatísticas mostram que o nível de homicídio é maior justamente onde existe mais policiais por habitante.
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Analisando os estudos produzidos, vê-se que a Colômbia teve na década de 80 uma taxa de homicídios semelhante à do Brasil de hoje -depois explodiu. O Brasil corre o risco de virar uma grande Colômbia? A resposta é, infelizmente, sim. A Colômbia é, às avessas, uma ótima lição.
Encontram-se no Brasil ingredientes semelhantes, alimentando o círculo vicioso da violência. Polícia ineficiente ou corrupta, pobreza, má distribuição de renda, desemprego, alta evasão escolar, aumento do narcotráfico, descrença na Justiça, valorização nas comunidades pobres dos esquadrões da morte, vistos como justiceiros.
Esses fatores banalizam a morte, tornando as comunidades insensíveis. Resolver conflitos com tiros ou facadas vira regra de comportamento. Estar na Colômbia reforça minha convicção, fortalecida desde que passei a morar em Nova York, de que legalizar as drogas é um mal menor.
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PS - Quando comecei a investigar o assassinato de crianças no Brasil no final da década de 80, usei como primeiras referências os estudos realizados na Colômbia. Imaginei que nunca chegaríamos naquele ponto. Estava redondamente equivocado.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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