São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Inflação: nunca mais?

MAILSON DA NÓBREGA

O Ipea e a Cepal realizaram em Brasília, na segunda-feira, o seminário "Dois anos de Plano Real -comparação com outras experiências de estabilização", no qual foram examinados os casos de Argentina, Brasil, Chile, Israel, México e Peru.
Duas características me pareceram comuns nessas experiências: prioridade no combate à inflação e valorização cambial.
O caso chileno me chamou a atenção pelo contraste. O senso comum é que a estabilidade seria resultado das reformas de Pinochet. O professor Patricio Meller, da Universidad de Chile, mostrou que o êxito recente tem muito a ver com os governos democráticos.
É verdade que a herança daquelas reformas é muito positiva: Estado mais eficiente, sistema tributário moderno, Previdência Social viável, elevada poupança doméstica, economia competitiva e assim por diante.
Por isso, os partidários de Pinochet sempre associaram a estabilidade à sua presença no governo. No plebiscito (1988) e na sucessão (1989), diziam que a alternativa seria o caos.
Ao deixar o poder, em março de 90, Pinochet legou, entretanto, um movimento ascendente de preços. No primeiro trimestre, a inflação anualizada atingira 24%, em comparação com 13% no mesmo período de 89.
Além disso, o populismo era um receio concreto. Temia-se que a praga latino-americana pudesse retornar após a ditadura e que a tensão acumulada engendrasse explosão incontrolável de demandas sociais.
Do lado dos adversários de Pinochet, a expectativa -ingênua, mas muito presente nessas ocasiões- era a de que o mero retorno da democracia resolvesse o problema dos direitos humanos e da dívida social.
Felizmente, os novos líderes eram responsáveis. Prevendo a vitória, alertaram, na campanha, que "não se poderia recuperar em um ano o que se havia perdido em 17" e que aumentar o gasto social dependeria da disponibilidade de recursos.
Eles também se deram conta de que não havia lugar para novos experimentos econômicos. Embora críticos da ortodoxia de Pinochet, decidiram manter o modelo econômico face aos resultados positivos que estava gerando na época.
A credibilidade aumentou com demonstrações de que a qualidade da política econômica seria preservada. Diferentemente do Brasil, o Chile não fez uma nova Constituição para vender sonhos e produzir desequilíbrios macroeconômicos.
Duras medidas fiscais e monetárias foram adotadas logo de início, para reverter a tendência inflacionária. Com a credibilidade em alta, foi possível coordenar expectativas com base em taxas de inflação futura.
O princípio do reajuste pela inflação futura foi aplicado em áreas sensíveis, como a do salário mínimo. Sem isso, teria sido muito difícil vencer a forte indexação. Neste ano, comemoram-se três anos consecutivos de inflação anual de um dígito.
Fundamental também foi a política cambial chilena. Nesta década, a taxa de câmbio real experimentou valorização da ordem de 20%.
Apesar das críticas dos exportadores, as vendas externas têm se expandido 10% ao ano. Excluído o cobre, as demais exportações vêm crescendo acima dessa taxa, graças a aumentos significativos de produtividade.
Estabilidade econômica e exportações crescentes criaram o ambiente para a expansão anual do PIB, superior a 7%. O ritmo preocupa o governo, pois essa expansão pode pôr em risco a estabilidade econômica.
É impressionante a determinação chilena de enterrar de vez o monstro inflacionário.
Ainda que com menor intensidade, o mesmo também está acontecendo noutros países, indicando que a América Latina vira a página e pode estar dando um basta à inflação.
A complacência com a inflação e com políticas cambiais voltadas para acomodar ineficiências torna-se, pouco a pouco, coisa do passado. Talvez nunca mais volte.
Segundo Meller, a evidência empírica do Chile "mostra que, apesar da valorização cambial, as exportações e o PIB mantêm taxas de crescimento relativamente elevadas". Na próxima semana, abordarei o tema da valorização cambial.

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