São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Ciência, tecnologia e desenvolvimento

ROBERTO NICOLSKY

Ciência e tecnologia são indicadores expressivos do estágio de desenvolvimento econômico e do grau de modernidade da produção de um país. E assume-se, em geral, que um país com uma pesquisa científica desenvolvida gera espontaneamente uma tecnologia avançada e competitiva.
Neste artigo, procura-se mostrar que essa presunção é falsa. Para tanto, convido o leitor interessado a ver o que nos diz sobre 1991 o World Science Report 1993 (WSR'93), editado pela Unesco, ainda a mais recente e completa compilação desses dados.
Seguindo o WSR'93, adotemos como índice da produção científica o número de artigos publicados em revistas científicas e o número de patentes concedidas como índice de produção tecnológica.
Esses indicadores, simplistas no nível individual, são aceitáveis em uma avaliação global média, pois guardam uma correlação estreita com a diversidade das atividades científicas e tecnológicas.
Comecemos pelos países desenvolvidos. Vemos que os EUA publicaram 35,8% dos artigos do mundo e tiveram 24,7% das patentes concedidas na Comunidade Econômica Européia e 45,7% das patentes concedidas nos EUA.
Já os países da CEE publicaram 27,7% dos artigos e tiveram 42,6% das patentes concedidas na própria CEE e 20,1% das concedidas nos EUA. A situação dos demais países ricos da Europa é análoga.
Conclui-se, pois, que a proporção na produção de artigos é semelhante à de patentes nos países tradicionalmente desenvolvidos.
Esses índices decresceram levemente nos cinco a dez anos precedentes, indicando que o total mundial de artigos e o de patentes cresce mais rapidamente -isto é, outros países têm aumentado a sua participação. Que países seriam?
Se o leitor pensou no Japão, acertou. O país publicou 8% dos artigos e obteve a concessão de 24% das patentes na CEE e 25% nos EUA. Ou seja, o índice de patentes foi três vezes o de artigos e as suas taxas de crescimento anual foram positivas, indicando que as produções japonesas têm crescido mais do que a mundial.
Olhando, porém, para os ditos "tigres asiáticos" -Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Cingapura e Malásia-, vemos que, embora a sua participação ainda seja pequena (1% dos artigos, 0,5% das patentes européias e 1,5% das norte-americanas), o crescimento anual médio é espantoso: 15% nos artigos e mais ainda nas patentes!
Notamos que todos os países citados até agora têm índices de produção tecnológica da mesma ordem da científica ou ainda maior (Japão). Será essa uma regra geral?
Se olharmos para os dados de uma grande região de imenso prestígio científico, a ex-URSS, veremos um quadro bem diverso. De fato, embora tendo 6,4% dos artigos publicados, possui tão-somente 0,1% das patentes européias e 0,2% das norte-americanas.
Mas o mais grave é que essas participações estão em considerável declínio: -3% nos artigos e -13% nas patentes européias a cada ano, em média. Será um caso isolado? Infelizmente, não. Esse é o cenário de todos os países tecnologicamente atrasados da Europa Central e Oriental e da Ásia.
Nesse grupo, vejamos a Índia, que é o país pobre de maior tradição científica, formando excelentes pesquisadores, entre os quais vários ganhadores do Nobel. A sua participação nos artigos é de 2%, mas em acentuada queda: -7% ao ano, em média, nos últimos oito anos, o que se explica pela evasão de cientistas, como na ex-URSS.
A participação nas patentes, porém, é totalmente insignificante. Esse desequilíbrio entre ciência e tecnologia é, pois, um claro indicador do atraso tecnológico e da falta de competitividade da produção desses países.
E qual é a nossa situação? Estamos dentro dos dados da América Latina: 1,4% dos artigos, 0,1% das patentes européias e 0,2% das norte-americanas. Dos artigos, o Brasil tinha pouco mais de um terço, o que correspondia a 0,5% da produção mundial. Sobre as patentes, nem há informação.
A AL, naquele ano, não diferia muito da China (1,1% dos artigos, e 0,1% das patentes), mas com um enorme contraste: enquanto a concessão de patentes dos EUA para a China cresceu, em média, 23% ao ano nos últimos dez anos, a da AL (incluindo o Brasil) ficou estagnada em valores irrisórios!
Qual o balanço de tantos números? Os dados mostram que fazer quase só "ciência pura", sem gerar tecnologia, resulta sempre em uma situação estacionária e, por vezes, declinante. É o que ocorre nos países subdesenvolvidos ou tecnologicamente atrasados.
Por outro lado, desenvolver a pesquisa tecnológica acarreta, necessariamente, desenvolvimento científico, pois esse é o formador da capacitação humana indispensável a qualquer tipo de pesquisa.
É o que fazem os países desenvolvidos e os emergentes: os países que geram tecnologia têm produção científica e tecnológica equivalentes, exceto o Japão, que dá ainda maior ênfase à tecnologia.
Conclui-se, pois, que a base científica, embora seja uma condição absolutamente necessária, não é suficiente para o desenvolvimento tecnológico do país.
Há uma questão, porém: não se faz pesquisa tecnológica válida sem participação direta e relevante do setor produtivo que vai usá-la.
Em todos os países geradores de tecnologia e nos "tigres asiáticos", a participação do setor produtivo nas despesas com pesquisas supera 50%, chegando em alguns casos (Coréia e Japão) a mais de 80%.
No Brasil, como na Índia e na ex-URSS, não chega a 15%. Logo, se desejamos que a pesquisa seja alavanca do crescimento, temos de dar estímulos, projetos e objetivos para mobilizar o setor produtivo.

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