São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Rajatabla faz bela adaptação de Márquez

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Tem história a companhia venezuelana Rajatabla. Criada em 71 e dirigida pelo argentino Carlos Giménez, tem certa similaridade com outros grupos surgidos nos anos 70, como o brasileiro Macunaíma, do diretor Antunes Filho.
A mesma precisão na interpretação, o mesmo cuidado nas adaptações literárias, até alguns sinais da cenografia, sempre protagonista. A mesma preocupação com o que se chamou, por longo tempo, de experimentalismo ou pesquisa, ou teatro de vanguarda.
A peça que apresenta no Rio Cena Contemporânea, "Ninguém Escreve ao Coronel", ou "El Coronel No Tiene Quien le Escriba", adaptada da obra de Gabriel García Márquez, com pequenas alterações de enredo no final, é bela e tocante.
Mas já não traz o frescor experimental; é antes uma peça de vanguarda mantida no estado original por anos e anos, e hoje em evidente anacronismo. Festivais de teatro no mundo são carregados de espetáculos assim, de grupos fundamentais em outros tempos, nem tanto, no momento. Mas é um belo e tocante espetáculo, "Ninguém Escreve ao Coronel".
A cenografia de Rafael Reyeros é marcante; a partir da caixa bem-desenhada, com sinais de "Os Sete Gatinhos" imaginada por J.C. Serroni e Antunes Filho, as paredes de metal, recortadas e simples, lembrando favelas, são movidas para formar os ângulos e ambientes de várias casas.
Sobretudo, aquela em que vivem o coronel e sua mulher, já idosos. O coronel espera pelo correio a pensão prometida há anos e jamais entregue. Sem dinheiro, sempre à espera, viu morrer o filho, assassinado; agora passa fome e espera a própria morte.
A morte está presente o tempo todo no palco, seja como personagem, seja como uma procissão de enterro que passa, de tempos em tempos.
No meio da trama, de realismo algo fantástico, um galo de briga, "o melhor do departamento", do Estado. Foi do filho e agora está na guarda do pai, à espera de uma briga que pode dar algum dinheiro. A mãe insiste com o marido para que venda de uma vez o animal e eles possam comer, mas a promessa feita ao filho, os amigos do filho morto e a cidade inteira pedem que mantenham "o melhor galo do departamento".
E não chega a maldita carta com a pensão do coronel, perdida na burocracia e, claro, nos advogados.
Na absolutamente emocionante -avaliação do próprio García Márquez- encenação de Carlos Gimenez, o destaque é dos intérpretes do coronel e de sua mulher.
German Mendieta compõe um pai em paralisação, em estagnação, diante da opressão existencial que vive, com a morte do filho, a destruição dos valores e glórias da guerra distante e da juventude, a miséria, a fome.
Teresa Selma faz uma perfeita contraposição ao coronel, ainda sonhador, como a mulher baixa, mas forte, aguerrida, que briga pela própria vida, não importando se para tanto ela precise humilhar-se, vender o galo do filho e da cidade, o que for.

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