São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Inéditos expõem segredos de Merquior

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O reencontro do diplomata e ensaísta José Guilherme Merquior -morto em 1991, aos 49 anos- com a intelectualidade brasileira acontece no próximo mês de setembro. Um novo diálogo marcado por ensaios e cartas inéditas.
A editora Topbooks prepara "O Outro Ocidente", um volume com mais 600 páginas que trará trabalhos inéditos do crítico que, em 1987, decretou para a academia brasileira a morte do marxismo. E terminou por ser reconhecido como o ideólogo das teses do projeto social-liberal do governo de Fernando Collor de Mello. Essa é apenas uma de inúmeras polêmicas ligadas ao seu nome.
"A intenção é reeditar toda a obra do primeiro Merquior, como 'A Astúcia da Mímese', e lançar também alguns volumes de inéditos", diz o editor José Mario Pereira. O que ele chama de "primeiro Merquior" são os trabalhos do ensaísta dedicados à crítica literária e estética.
Para o editor, a grande produção do diplomata ficou obscurecida, nos últimos anos, por sua participação na política nacional.
Merquior, além de seu envolvimento com o governo Collor, foi antes, durante dois anos, assessor especial do ministro-chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu, durante a permanência do general Figueiredo na presidência (1979-1985).
O sumário -ainda provisório- de "O Outro Ocidente" traz 18 ensaios e palestras produzidos durante seus anos fora do país, por vezes escritos em espanhol, francês ou inglês.
Entre os vários escritos estão "A Filosofia da História - Pensamentos sobre uma Possível Ressurreição", "Por Favor: Glasnost em Marxologia" e, ainda, "Machado de Assis: Uma Ponte entre Duas Literaturas".
Os textos foram recolhidos por José Mario entre o extenso material inédito deixado por Merquior ("Acho que poderíamos produzir ainda quatro livros com esse material nunca publicado") e que não fazem parte da biblioteca do ensaísta, vendida ao Banco do Brasil, em 1991, por US$ 300 mil.
Além de editor, José Mario Pereira é o testamenteiro de Merquior: "Semanas antes de sua morte, conversamos sobre como tudo deveria ser editado".
Após "O Outro Ocidente", chegará ao mercado "A Vida das Idéias", uma coletânea de textos da coluna mantida por Merquior no jornal "O Globo".
Cartas e Lévi-Strauss
Entre o acervo não editado há também, além dos textos pensados para uma futura publicação, um outro tipo de produção de Merquior. Ensaios produzidos quase ao acaso em sua correspondência.
Cartas que evidenciam, além de sua preocupação com a obra acadêmica, seu "segundo momento" no papel de articulador político.
Entre seus interlocutores estão o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (comentando o livro "De Praga a Paris", sobre o estruturalismo), o semiólogo Roland Barthes, o também diplomata Sérgio Paulo Rouanet e o então presidente José Sarney, entre outros.
A carta endereçada a Sarney, escrita em 15 de abril de 1985, seis dias antes da morte do presidente eleito Tancredo Neves, coloca em evidência a sua intenção de interferir no novo governo, ao comentar uma fórmula para "aliciar boa parte do PMDB": "Como? Fazendo talvez Fernando Henrique ministro (do Exterior? da própria Casa Civil?)".
A carta (leia trecho abaixo) prossegue aconselhando uma aproximação entre Brasil e Cuba. Algo que, por coincidência ou não, aconteceu ainda no período do governo Sarney.
Mas em outras cartas Merquior volta a fazer da cultura seu principal objeto. Com Rouanet discute sobre a influência de Diderot na obra de Machado de Assis.
Ao escrever para Miguel Reale, emite "impressões filosóficas" sobre o trabalho deste. E do escritor Josué Montello recebe palavras de ânimo sobre seu estado de saúde.
"Merquior guardava cópias das cartas que enviava. Textos que muitas vezes se convertiam em aguçadas análises intelectuais", diz José Mario Pereira.
Merquior espera por mais uma polêmica.

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