São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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A partir da Habitat 2

LUIZ CARLOS COSTA

Todos os que pudemos participar ativamente da Habitat 2 voltamos de Istambul refletindo sobre o que significou essa conferência e as perspectivas que terá aberto para a América Latina e para o Brasil. A diversidade e a riqueza dos aspectos culturais e políticos do evento tornam, contudo, impossível a qualquer um pretender possuir dele uma visão completa e definitiva. Melhor será explicitarmos e confrontarmos nossas avaliações particulares, tornando-as úteis a um debate -mais que oportuno na atual conjuntura- sobre os rebatimentos da Habitat 2 nas já inadiáveis políticas urbanas da União e dos governos locais.
Como elementos para esse debate destacaríamos alguns consensos que, apesar das divergências ocorridas em Istambul, puderam ser expressos na Agenda Habitat, firmada por representantes de Estados ou aprovados nos fóruns específicos ali organizados.
Em primeiro lugar, evidenciou-se o inconformismo da comunidade internacional quanto aos rumos da crise urbana manifesta em todo o mundo, expressa em impasses dramáticos no campo do emprego, da habitação, dos transportes, do saneamento básico e da qualidade ambiental, crise essa geradora da violência e da miséria das cidades.
Muitos apontam como cerne da questão o fato de que esses problemas não são superáveis dentro da estrita lógica neoliberal dominante na economia globalizada deste final de milênio, estruturalmente tendente a produzir desemprego, concentração de renda e desregulamentação da atividade econômica, bem como a debilitação do Estado e de suas políticas sociais.
Em segundo lugar, reconheceu-se o papel central das organizações da sociedade civil na construção de um mundo urbanizado mais humano, justo e ecologicamente equilibrado. Os movimentos populares, profissionais e culturais, avalizados pelo impressionante resultado das práticas inovadoras que vêm desenvolvendo, atuaram na Habitat 2, seja no sentido de obter a consagração formal, como direito humano, do direito à habitação (e, implicitamente, aos serviços urbanos essenciais), seja no sentido de se afirmarem como partes legítimas e necessárias à reorientação estratégica do desenvolvimento das cidades para muito além da estrita lógica do mercado.
Em terceiro lugar, reconheceu-se o papel especial do poder local para complementar e dar sustentação a essas ações, sobretudo pela democratização da gestão e do planejamento das cidades e pela criação de novas redes de solidariedade entre estas.
No entanto, tal como foi afirmado no documento que o IAB e diversas outras entidades propuseram logo no início da conferência, essas ações locais não podem assumir caráter meramente compensatório, à margem das questões centrais da exclusão social do mundo urbanizado. Impõe-se, portanto, inseri-las em "políticas estruturais de caráter inclusivo, abrangendo as reformas sociais e econômicas que permitam a todos os cidadãos partilhar dos avanços proporcionados pela ciência e pela técnica nos últimos decênios".
Daí a importância de, no Brasil, prosseguirmos imediatamente na luta por uma lei de desenvolvimento urbano à altura da crise urbana vivida pelo país, instrumento pelo qual nossas entidades vêm trabalhando há muitos anos. Para essa luta dispomos agora não só do respaldo da Agenda Habitat, mas das novas condições de cooperação, alcançadas em Istambul, entre os segmentos governamentais e não-governamentais da delegação brasileira.

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