São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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O risco do câmbio (2)

CELSO PINTO

Um argumento central que economistas, dentro e fora do governo, usam para descartar que haja qualquer problema de sobrevalorização cambial são os ganhos de produtividade da economia brasileira nos últimos anos. Será correto?
O economista Ilan Goldfajn, da Universidade de Brandeis, em Boston, diz que não. Ilan, que fez seu doutorado com Rudiger Dornbusch no MIT, é autor de um trabalho que analisa 93 países durante 34 anos e mostra como é alto o risco de um processo de sobrevalorização cambial acabar em desvalorização cambial (ver coluna de sexta-feira).
Os que dizem que a produtividade compensa a valorização do câmbio baseiam-se na constatação de que ela faz com que a produção interna fique mais competitiva. Como a produtividade cresceu a 7% ao ano num período recente, é comum o raciocínio que esse ganho de produtividade deveria ser descontado da valorização do câmbio (que reduz a competitividade externa).
Alguns economistas discutem se os 7% são uma medida correta ou não, mas aceitam a idéia que ele deveria ser descontado do câmbio. Outros, para sofisticar o argumento, descontam do câmbio não a produtividade integral, mas a diferença entre a produtividade brasileira e a de seus parceiros comerciais externos.
Ilan discorda inteiramente. Ele lembra que o Banco do México (banco central) usou, antes da crise de 94, um raciocínio semelhante para descartar críticas de que estaria ocorrendo uma sobrevalorização cambial.
Um dos críticos mais ácidos, então, era Dornbusch, que sofreu um intenso tiroteio do governo mexicano. Dornbusch e Ilan calculam que, entre 1990 e 94, o peso mexicano foi sobrevalorizado em 36% -algo que os mexicanos diziam estar sendo compensado pelo aumento da produtividade. O desfecho é conhecido: uma crise cambial em dezembro de 94, que levou a uma desvalorização superior a 100%, recessão e inflação alta.
Por que a produtividade não compensa o câmbio? O argumento de Ilan, semelhante ao de Dornbusch, é que os ganhos de produtividade na economia já estão refletidos nos preços. Em outros termos, quando a economia consegue produzir mais com menor custo, isso naturalmente leva a um índice menor de preços.
O impacto, contudo, já aconteceu. Para chegar à variação do câmbio real, é preciso comparar a diferença entre os preços internos e os dos parceiros e, depois, ver em quanto a variação nominal do câmbio compensou ou não essa diferença.
Os ganhos de produtividade, portanto, já estariam embutidos na variação dos preços internos. Tentar descontá-los outra vez da variação do câmbio real seria contar duas vezes um mesmo fenômeno.
Por essa razão, Ilan sustenta que a única forma de compensar uma sobrevalorização cambial (medida da forma explicada na coluna de sexta-feira), sem uma desvalorização do câmbio, é pelo diferencial de inflação. Em outros termos, ter uma inflação interna inferior à dos parceiros comerciais externos, o que daria um ganho real de competitividade.
A variação dos preços por atacado no Brasil tem sido decrescente desde o início do Real, mas ainda é duas a três vezes superior à dos parceiros comerciais externos desenvolvidos. Desde meados do ano passado, as desvalorizações do real frente ao dólar impediram que houvesse nova sobrevalorização. Ficou, contudo, uma herança de desvalorização do passado, calculada por Ilan em 21% num conceito mais simples, ou 14% num conceito mais complexo.
Outro ponto levantado por Ilan e Dornbusch é a questão da abertura comercial. Um trabalho mais antigo de Dornbusch mostra que a abertura comercial tem de ser acompanhada por uma desvalorização cambial para se manter o pleno emprego e o equilíbrio intertemporal da balança comercial. Se houver um "boom" de investimentos, um aumento de gastos do governo, ou do consumo privado, pode-se compensar em parte o emprego, mas não o desequilíbrio da balança.
No Brasil, ao contrário, a abertura veio acompanhada por uma sobrevalorização cambial. O que é uma razão a mais para acompanhar o câmbio com redobrada atenção.

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