São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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PC guardou "herança" de US$ 400 mi, diz delegado

MARIO CESAR CARVALHO
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

MARIO CESAR CARVALHO; JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO; XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Delegado que averiguou esquema diz que fortuna foi mantida

Ao morrer, Paulo César Farias deixou uma fortuna similar a um iceberg. Os 90% submersos atingem cerca de US$ 400 milhões, segundo estimativa de Paulo Lacerda, delegado aposentado da Polícia Federal que investigou o esquema PC e maior especialista no dinheiro sujo do Collorgate.
A parte visível da herança não passa de R$ 40 milhões, nas contas preliminares da família Farias.
Levantamento feito pela Folha mostra que os bens conhecidos de PC valem ao menos R$ 18 milhões.
Os US$ 400 milhões estimados foram juntados em três anos, entre 1989 e 1992. Equivale a um terço da fortuna pessoal que Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, acumulou entre 1948 e 1995.
Os bens conhecidos de PC estão distribuídos por Maceió, Brasília e São Paulo.
Há pelo menos duas jóias na coroa: o jornal "Tribuna de Alagoas", no qual já foram investidos R$ 3 milhões, e três andares que PC tinha no edifício Terra Brasilis (São Paulo). Valem R$ 2,1 milhões.
Já o destino do dinheiro sujo, até agora a PF não descobriu. Delegados supõem que esteja distribuído entre Estados Unidos, Suíça e paraísos fiscais como as Ilhas Cayman, no Caribe.
O motivo da suposição é óbvio: PC tinha contas nesses lugares. A CPI do Collorgate foi um pouco além das suposições: descobriu que a maior parte do dinheiro saiu do país em espécie e viajava no "Morcego Negro", o jatinho de PC, para paraísos fiscais.
Empresário medíocre
PC teve duas vidas econômicas antes de ser assassinado com um tiro no peito no último dia 23.
Na primeira, foi um empresário medíocre. Era a época em que circulava em Maceió em um Dodge Dart com o vidro fechado sob um calor de 35 graus para fingir que tinha ar condicionado no carro.
Gostava tanto de carrões vistosos que virou o Paulinho Gasolina.
Enquanto isso, seus negócios iam de mal a pior. Em três anos, de 1983 a 1986, conseguiu quebrar duas empresas (a Planal e a Terral) e levou a Tratoral à concordata.
Na segunda vida, foi tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor em 1989 e "capo" do esquema PC de 1990 a 1992. Aí, teve um sucesso estrondoso.
O delegado Lacerda estima que, entre meados de 1989 e maio de 1992, o esquema PC arrecadou cerca de US$ 1,2 bilhão. Ele baseia-se no fluxo de dinheiro em 44 contas cujo sigilo foi quebrado. Não é um cálculo científico, diz Lacerda.
Contas da Brasil Jet, EPC e Mundial -empresas de fachada de PC- movimentavam em média US$ 30 milhões. Cada empresa tinha três contas, no mínimo.
PC também controlava 24 contas "fantasmas" (pessoas que não existiam) e 20 contas de "laranjas" (pessoas que cediam o nome, mas não eram donas do dinheiro). Recebia dinheiro também de 15 contas CC-5 (de pessoas ou empresas baseadas no exterior).
O dinheiro pesado passava pelas contas "fantasmas". Só uma delas, no BMC, recebeu o equivalente a US$ 59 milhões em seis meses.
Provas reunidas pela PF mostram que PC juntou essa fortuna por meio de dois expedientes: cobrando comissões de empresários que tinham negócios com o governo Collor ou extorquindo-os.
Contribuíram com o esquema, empresas como a Rhodia, o Grupo Votorantim e a Construtora OAS.
A multiplicação
Foi no governo Collor que a fortuna de PC experimentou seu maior salto, segundo as declarações de renda do empresário.
Em 1990, quando Collor tomou posse, PC declarou que seu patrimônio equivalia a US$ 71,5 mil. No ano seguinte, passou a US$ 5 milhões. Ficou 70 vezes maior.
Os bens de PC começaram a se multiplicar com a campanha 89.
Nesse ano, ele ergueu em Maceió uma casa de 2.000 m2 de área construída. Ela vale hoje algo em torno de R$ 1,2 milhão.
Em 1987, o Banco Central havia proibido o empresário de operar com crédito agrícola por causa de sucessivos calotes da Tratoral, uma concessionária de PC de tratores e máquinas agrícolas.
Após a posse de Collor em 1990, PC pagou as dívidas.
Nos anos de ouro do esquema, entre 1990 e 1992, PC chegou a ter oito empresas, um jatinho de US$ 11 milhões e a segunda maior revendedora Fiat do país, a Sultan.
Segundo a PF, a maior prova de que os negócios não eram para valer foi que, assim que o esquema implodiu em maio de 1992 com as denúncias de Pedro Collor, as empresas foram fechando.
Há indícios de que PC estava terceirizando seus negócios nos meses que antecederam sua morte. Ele vivia repetindo que era dono da Blumare, uma revendedora Fiat de Maceió, e do jornal "Tribuna de Alagoas".
Esses bens estão agora no nome dos irmãos, segundo a família e o Banco do Nordeste do Brasil, que concedeu empréstimos ao jornal.

Colaborou XICO SÁ, enviado especial a Maceió

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