São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Bilionário investe em teleinformática

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A UBERLÂNDIA

A lista dos homens mais ricos do mundo, elaborada pela revista norte-americana "Forbes", traz um brasileiro quase desconhecido no eixo Rio-São Paulo: Luiz Alberto Garcia, 61, que, segundo a revista, possui uma fortuna pessoal de US$ 1,2 bilhão.
Sócio-controlador da única companhia telefônica privada do país, a CTBC (Cia Brasileira de Telefones do Brasil Central, com 300 mil assinantes), Garcia vive em Uberlândia, Minas Gerais, onde dirige o grupo Algar, um conglomerado de 25 empresas.
É o maior produtor de grãos (soja e milho) de Minas, tem 11 fazendas e 15 mil cabeças de gado.
O forte do grupo é o setor de teleinformática, onde tem parcerias com a Bull francesa. Mas também é grande no ramo de serviços, com 17 empresas, incluindo construção civil, táxi aéreo, gráfica, mineração e turismo.
Garcia recebeu a súbita fama um pouco a contragosto. Ele lamenta a perda do anonimato e se lembra, com saudades, de que há três anos ia de casa para a sede das empresas de bicicleta, pelo prazer de sentir o suor descendo pelo corpo.
Imagem
Garcia não é um novo rico, nem é verdadeira a imagem de caipira que projeta, apesar do andar desengonçado, de ser avesso a ternos e de se manter afastado dos círculos sociais de Uberlândia.
Perguntado se está correto o patrimônio apontado pela "Forbes", ele sorri matreiro e diz que gostaria que fosse. Em seguida, admite que o número pode ser conservador, criando suspense sobre a verdadeira dimensão de sua fortuna.
Cita Antônio Ermírio de Moraes como um dos empresários que admira, mas diz que cada vez mais se espelha em seu pai, Alexandrino (já morto), um português rude que chegou ainda criança ao Brasil e construiu o império Algar.
Luiz Garcia é uma versão atualizada do pai. Alexandrino costumava fazer visitas de surpresa pelos departamentos, apontando os problemas e recolhendo cada prego abandonado pelo chão.
O filho jamais se desgruda de sua máquina fotográfica automática Leika. Quando visita suas fazendas, fotografa cada problema que vê nas propriedades e mostra as fotos como provas. Quando está no exterior, fotografa novidades que possam interessar às empresas.
A telefônica -menina dos olhos do grupo- passou às mãos da família Garcia na década de 50, quando as concessões para o serviço ainda eram dadas pelas prefeituras.
Luiz Garcia preparou-se para suceder o pai. Formou-se engenheiro eletrônico pela Escola Federal de Engenharia de Itajubá (MG), em 1959 e, em seguida, fez estágio de um ano na sede da Ericsson, em Estocolmo.
A Suécia é o país mais bem servido em matéria de telefonia no mundo (tem 75 telefones por cem habitantes) e o estágio, segundo Garcia, lhe permitiu ver o Brasil "20 anos à frente dos demais".
Nos anos 60, enquanto o governo permitiu, os Garcia foram comprando as telefônicas dos municípios vizinhos e a CTBC passou além das divisas de Minas Gerais, chegando ao norte de São Paulo (região de Franca), sul de Goiás e do Mato Grosso do Sul.
Administração
Hoje, a administração das empresas está a cargo de profissionais contratados e Luiz Garcia só interfere em decisões estratégicas. O principal executivo é o italiano Mario Grossi.
Luiz Garcia tem dois filhos -Luiz Alexandre e Ana Martha- e controla 58,47% das ações da empresa-mãe Árvore S/A que, por sua vez, tem 100% do capital da holding Algar. O nome Algar surgiu da junção das sílabas iniciais do nome do fundador Alexandrino Garcia.
Na quinta-feira, Luiz Garcia recebeu a Folha em seu escritório. Uma das curiosidades reveladas por ele foi o conteúdo de sua pasta: uma cópia xerografada do livro "O Príncipe", de Maquiavel, dicionário eletrônico inglês/inglês, telefone celular e cartões de visita.
Disse que não se separa do livro porque encontra muitos tipos "maquiavélicos". A seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - Com esta montanha de empresas, que negócios ficam sob a sua responsabilidade?
Garcia - Os novos e os que estão dando prejuízo.
Folha - Quais setores lhe dão prejuízo?
Garcia - Um punhado. Venda de veículos e agricultura deram prejuízo no ano passado.
Folha - Como o sr. monitora seus negócios?
Garcia - A administração do grupo é muito tranquila. Temos um orçamento anual, que projeta um faturamento de R$ 737,83 milhões para este ano, e mensalmente fazemos avaliação do desempenho.
Folha - O sr. faz o acompanhamento por este papel? Por que não o faz pelo computador que está sobre sua mesa?
Garcia - Computador é complicado e demora demais, embora eu tenha modens velozes.
Folha - O sr. tem dificuldade em lidar com computadores?
Garcia - Não, mas não tenho paciência de ficar lendo as mensagens do correio eletrônico interno. Tem muito lixo na caixa postal.
Folha - O sr. participa de reuniões com seus executivos?
Garcia - Às vezes tem muita pauleira nas reuniões e o pessoal fica inibido com minha presença e pede para eu sair. Aí acompanho a reunião por teleconferência.
Folha - Qual é sua leitura de cabeceira?
Garcia - Estou lendo "A Lanterna na Popa", do deputado Roberto Campos, há um ano e ainda faltam 300 páginas.
Folha - Se envolve em política?
Garcia - Sou democrata capitalista. Tudo que é democracia e capitalismo, estou dentro.
Folha - O presidente FHC se enquadra nos seus parâmetros?
Garcia - Democrata ele é, mas não é muito capitalista. Está mais para socialista. Está meio devagar nas privatizações.
Folha - O sr. já fez alguma grande burrada em negócios?
Garcia - Já fiz tantas. Quer saber a maior? Foi quando comprei a Teletra, do Rio de Janeiro, em parceira com a Fiat, no início dos anos 80. Compramos 20% das ações, com opção para comprar mais 30% com os lucros futuros previstos nos planos da empresa. Por besteira minha, desfiz o plano e tive que pagar os 30% do bolso. Levei um grande prejuízo.
Folha - Qual o melhor negócio?
Garcia - Os melhores negócios foram as compras das telefônicas. Comprávamos uma por mês em 69, antes de a Telebrás proibir.
Folha - O que o sr. acha que vai acontecer quando as grandes companhias internacionais chegarem?
Garcia - Acho que vão praticar capitalismo selvagem. Vão querer comprar todas as empresas.
Folha - Como o sr. sobreviveu ao processo de estatização das telefônicas na década de 70?
Garcia - Nossas concessões foram dadas pelas prefeituras e a maioria vencia em 91. Ao contrário das telefônicas municipais, que tiveram seus direitos preservados, nós dependíamos de uma lei, que foi aprovada pelo Congresso em 91. A lei nos deu concessão por mais oito anos, renováveis.
Folha - Como foi isto? O sr. procurou os deputados?
Garcia - Eu me ausentei do processo porque fui muito bombardeado durante a Constituinte, em 88. Fui assediado por deputados.
Folha - Tentaram lhe tirar dinheiro para assegurar a concessão de sua empresa na Constituição?
Garcia - Tentaram.
Folha - Muitos deputados?
Garcia - Bastante. Meu pessoal acha ruim eu falar sobre isto, mas a verdade cabe em qualquer lugar. A pressão era tanta que eu disse chega, deixa correr solto. Se tivermos que perder a empresa, vamos perder. Não saiu nada sobre nós na Constituição e ficamos com a espada sobre a cabeça até 91.
Folha - Quais são seus planos?
Garcia - Teleinformática é a nossa prioridade. O setor é tão grande que, se sairmos dele, não conseguiremos retornar.
Folha - O sr. vai disputar concessões para telefonia celular?
Garcia - Com ou sem sócios, participaremos de licitações. O interesse é em todas as áreas, exceto nas cidades do Rio e de São Paulo, que vão exigir muito capital.
Folha - Quais são as qualidades fundamentais em um empresário?
Garcia - Estar bem informado sobre seu negócio e sobre o que se passa no mundo. Nunca a informação foi tão importante.

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