São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Regulação básica e investimento econômico

ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

A estabilidade econômica e a redução da intervenção do Estado na economia vêm abrindo espaço para uma ampla agenda de reformas no nosso sistema legal e jurídico.
Com a abertura comercial e a privatização, torna-se essencial substituir as regulamentações detalhistas e mandatórias do passado por regras que incentivem a eficiência, minimizem os custos de transação e desestimulem a corrupção, reformando-se o Judiciário para garantir o amplo e ágil respeito a essas regras.
Em um provocativo ensaio intitulado "Sistemas jurídicos e desempenho econômico", Robert Sherwood, Geoffrey Sheperd e Celso Marcos de Souza estimam que sistemas jurídicos ineficientes podem custar aos países em processo de liberalização econômica pelo menos 15% da sua taxa de crescimento. Ou seja, um país que poderia crescer 5% a.a. com uma Justiça eficiente cresceria apenas 5% a.a. se a sua Justiça é ineficiente.
Obviamente a estimativa de Sherwood e seus co-autores é apenas o que os americanos chamam de um "educated guess". É muito difícil avaliar o custo econômico de uma Justiça ineficiente, pois os custos se refletem muito menos nas coisas que acontecem, como gastos elevados com advogados, custas processuais etc., e muito mais no que não acontece ou acontece de forma ineficiente.
Há três exemplos, em particular, para os quais vale a pena atentar. Primeiro, uma Justiça ineficiente, que limite os direitos de propriedade, leva a um nível de produção aquém do que se observaria de outra forma.
Um exemplo familiar para quem vive no Brasil é o grande número de imóveis que permanecem fechados, sem serem alugados, pois os seus proprietários não têm certeza de poder recuperá-los no prazo e condições estipuladas nos contratos de aluguel. É fácil perceber que o valor da produção de aluguéis não realizado ao longo dos anos por conta da insegurança quanto aos direitos de propriedade representa uma parcela bastante significativa do PIB.
Uma Justiça ineficiente leva também ao uso ineficiente de insumos de produção. O exemplo mais gritante é sem dúvida o da substituição de mão-de-obra por máquinas. Ainda que não saiba de ninguém que tenha feito esta estimativa, estou certo de que a redução das incertezas associadas à Justiça do Trabalho teria um impacto bastante positivo sobre o nível de emprego no país.
Da mesma forma, uma Justiça que garantisse um elevado respeito aos contratos privados estimularia uma terceirização sadia, levando à especialização e a significativos ganhos de eficiência.
Um terceiro exemplo são os impactos das leis e do Judiciário sobre o investimento. Este é um tema particularmente importante no momento atual, em que o Brasil começa a privatizar sua infra-estrutura. Como tem sido bastante discutido, uma precondição para uma bem-sucedida privatização da infra-estrutura é o estabelecimento de um aparato regulatório adequado. Isto porque se reconhece que não é apenas a privatização, mas principalmente o estabelecimento de um sistema de regulação eficiente, que proteja os direitos de propriedade e minimize os riscos, que levará efetivamente a um maior nível de investimentos nos setores de infra-estrutura.
É preciso atentar, porém, para o fato de que há dois níveis diferentes do aparato regulatório. Um deles, que tem sido amplamente discutido na imprensa, é o da chamada regulação de detalhe, que envolve as regras de acesso às redes de distribuição, de fixação de tarifas, da existência de subsídios cruzados, de entrada e saída do mercado etc.
Igualmente ou ainda mais importante, porém, é o desenho do sistema de regulação básica, onde se definem três elementos principais.
Primeiro, quais os limites ao poder discricionário do órgão regulador na fixação da regulação de detalhe? Por exemplo, quais os graus de liberdade do regulador na fixação de tarifas ou na definição de quem pode ou não participar do setor?
Segundo, quais as limitações a mudanças nas leis e normas que definem os poderes do órgão regulador? Por exemplo, basta um decreto presidencial ou é necessária a aprovação do Congresso por meio de lei, e deve ser esta uma lei ordinária ou complementar, ou mesmo uma emenda constitucional?
E terceiro, que instituições existem para garantir que esses limites sejam efetivamente respeitados, e a quem recorrer para resolver eventuais divergências, de forma ágil, imparcial e previsível?
O principal a entender é que pouco adianta, em termos de recuperação das taxas de investimento, implantar uma regulação de detalhe extremamente bem desenhada se ela é baseada em um sistema regulatório básico deficiente, pois ele dificilmente dará segurança às empresas para fazer elevados investimentos. Ignorar esse fato pode levar a indesejáveis frustrações. Ao mesmo tempo em que se trabalha na regulação de detalhe, é preciso envidar esforços para alicerçá-la em uma regulação básica que dê tranquilidade e incentivos corretos aos investidores.

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