São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Apoteose do Real

OSIRIS LOPES FILHO

Esta semana, completados dois anos de Real, houve uma apoteose no clima de otimismo que tem caracterizado o governo do presidente FHC. O ambiente palaciano é o de que se vive no melhor dos mundos.
Como disse a deputada Conceição Tavares, o governo conta com Pangloss multiplicados no seu elenco. Otimismo de céu de brigadeiro é a denominação adequada, se for considerado o meio de transporte usado pelo presidente, nos seus périplos pelo mundo.
Tudo vai bem para o governo federal, inclusive nas suas estatísticas. Diz o discurso governamental que, graças aos efeitos redentores do Plano Real, foram resgatados da miséria absoluta 5 milhões de afortunados brasileiros.
Ainda não tive a satisfação de encontrar nenhum desses felizes brasileiros, brindados pela graça da estabilização monetária. Deve ser uma deficiência ótica minha, condenado a uma miopia crônica.
Ou pode ser que seja aplicável, lembrando o saudoso Geraldo Ataliba, famoso por sua ojeriza aos números, a sua crítica às estatísticas que teriam a função fundamental de esclarecer, aclarar as situações fáticas, sendo representadas por um poste de iluminação. Todavia, dizia Ataliba, no mais das vezes, esse poste serve mais como ponto de apoio para os bêbados do que para iluminar a realidade. Em outros casos, tão artificiais e manipuladas as estatísticas utilizadas, para expressar o real, que, aceitando-se a exemplificação do poste, serviriam para os cachorros se desapertarem.
Sucateação da indústria nacional, submetida a uma concorrência externa predatória, por inexistência de uma política tarifária eficaz; taxa de câmbio sobrevalorizada a dificultar as exportações; elevada taxa de juros, campeã universal, a impedir investimentos e a exponenciar a dívida pública interna; desemprego aumentando assustadoramente; falta de medidas sociais concretas, arrocho salarial -eis aí alguns efeitos da política governamental, que não merecem comemoração, e que deveriam desestimular o otimismo oficial, se houvesse abertura para um mínimo de espírito crítico por parte das autoridades federais.
A desenvolver-se a política do governo, no ritmo e conteúdo atuais, vão continuar a aplaudi-los os especuladores internacionais que estão adquirindo as empresas sucateadas do país e os numerosos áulicos de sempre. Mas de pé, a sustentar o governo, ter-se-á apenas a minoria silenciosa das lápides dos cemitérios dos sonhos de mudança transformados no avanço do atraso.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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