São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Ricos têm déficits crônicos e cíclicos

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na semana passada a Argentina admitiu que as metas fiscais negociadas com o Fundo Monetário Internacional não podem ser atingidas. Sem crescimento econômico, o esforço político, operacional e até policial para cumprir esse tipo de metas parece infinito.
Hoje é praticamente geral a preocupação com a saúde fiscal de economias que, como a argentina, dependem de financiamento externo. No mundo desenvolvido, por outros motivos, os alertas para a necessidade de maior consistência fiscal também são recorrentes.
Mas entre 1930 e 1995, os Estados Unidos tiveram superávit fiscal em apenas nove anos. Desde os anos 70 o déficit oscila, provavelmente respondendo a fatores cíclicos como a taxa de crescimento da economia, mas não desaparece.
A tabela ilustra o que aconteceu em alguns países ricos entre 1984 e 1994. A mensagem parece clara: o déficit oscila, parece refletir o ritmo de atividade econômica, mas é crônico. Fica a impressão de que déficits públicos são sintomas, resultados, produtos "causados", mas não fatores causais.
Há casos clássicos, como o italiano. No período, o Japão foi o único a ter superávit, mas voltou ao vermelho com a retração econômica.
Ocorre que, além do fator cíclico, alguns processos econômicos recentes considerados estruturais e dificilmente reversíveis dificultam o ajuste fiscal.
A mudança tecnológica, por exemplo, desemprega fortemente ou, pelo menos, transfere parte considerável das populações para mercados de trabalho informais ou "flexíveis", isso quando não ocorre simplesmente migração para outros países. Ou seja, mesmo quando a economia cresce, os trabalhadores recolhem relativamente menos contribuições previdenciárias, aumentando o rombo potencial do sistema.
As tendências demográficas são outro tormento, em especial nos países desenvolvidos. O envelhecimento das populações significa também que, proporcionalmente, há menos gente trabalhando para sustentar um conjunto crescente de inativos. Mais rombo.
Às vezes, pesa a ideologia. Foi moda crer que menos impostos sobre os ricos ajudariam a economia a crescer. Os gastos públicos não caíram em linha com o alívio tributário. Mais déficit.
Ciranda financeira
Houve também no período recente uma multiplicação espantosa dos movimentos especulativos, um crescimento vertiginoso da riqueza financeira cuja mobilidade está associada a isenções tributárias. Nesse mundo em que impera a sedução competitiva dos "paraísos fiscais", parece quase contra-senso falar de ajuste fiscal.
Entretanto, nos mercados financeiros globais a palavra de ordem é ajuste fiscal. Nos relatórios dos bancos de investimento impera um código que afinal coincide com as prescrições do FMI. Déficits fiscais são perigosos.
Mas se todos os países do mundo, de repente, zerassem seus déficits, o "day after" seria a maior recessão da história da humanidade, dura o bastante para levar esses mesmos mercados ao colapso.
A convivência com déficits parece, portanto, hoje muito mais uma questão de grau, circunstância e confiança do que de princípio.

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