São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Ieltsin amansa jornais e suborna jornalistas

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

O presidente russo, Boris Ieltsin, reeleito na semana passada, contou com uma preciosa ajuda para conseguir a vitória: os principais jornais e emissoras de TV, privadas e estatais, abandonaram o jornalismo independente e apartidário para se engajarem na campanha ieltsinista. Houve bloqueio de informações sobre a oposição, silêncio sobre a doença de Ieltsin e até suborno de jornalistas.
O festival de parcialidade, no entanto, parece ter terminado nos dias seguintes à vitória de Ieltsin, que derrotou o neocomunista Guennadi Ziuganov na quarta-feira por 53,7% a 40,4% dos votos.
"A imprensa, a partir de hoje, vai para o lugar no qual deve estar: em oposição ao governo", afirmou o diário "Cevodnia" (hoje, em russo) em editorial de primeira página. "Não pelo bem da oposição, mas do governo."
Na nascente democracia russa, o jornalismo apartidário encontrou espaço para florescer antes do recuo na campanha eleitoral.
Jornais e emissoras de TV metralhavam o governo Ieltsin com denúncias sobre corrupção e noticiavam o avanço da oposição.
O jornalismo independente alcançou seu apogeu no início da cobertura da guerra na Tchetchênia, em dezembro de 1994. Ieltsin enviou tropas para sufocar o separatismo nessa região muçulmana no sul da Rússia e deslanchou um conflito que já matou mais de 30 mil pessoas, em sua maioria civis.
A emissora privada NTV atravessou seus melhores momentos de jornalismo com uma cobertura isenta e equilibrada da barbárie de uma guerra entre um Exército despreparado e os guerrilheiros.
O presidente Ieltsin chegou a ameaçar a NTV de cassação da licença. Pressionou o presidente da emissora, Igor Malachenko, para que fossem vetadas imagens de um conflito sangrento. A NTV resistiu e consolidou sua independência.
O mesmo Igor Malachenko que desafiou o Kremlin (sede do governo) na cobertura da Tchetchênia, meses depois, entrava para o alto comando da campanha ieltsinista. A NTV deixava o jornalismo apartidário para se tornar porta-voz do presidente.
Jornal de maior circulação da imprensa russa, o irreverente "Moskovski Komsomolets" (Jovem Comunista de Moscou) manteve o nome do período soviético mas fez sucesso ao misturar humor e jornalismo apartidário. Um de seus repórteres morreu num atentado a bomba, depois de publicar uma série de reportagens sobre corrupção entre militares.
O "Moskovski Komsomolets", durante a campanha, virou panfleto ieltsinista. Despejou sua criatividade e ironia em tiradas contra o neocomunista Ziuganov.
Os jornalistas russos acusados de abandonar os princípios da independência se defendem. Dizem que a opção pelo presidente Ieltsin correspondia a lutar pela sobrevivência do jornalismo apartidário pois, argumentam eles, os neocomunistas no poder trariam de volta a tesoura da censura, que funcionou no período soviético.
Mas houve também casos de suborno de jornalistas, para que escrevessem textos favoráveis ao presidente. Lee Hockstader, do jornal norte-americano "The Washington Post", apurou que os preços variavam de US$ 100 por um artigo até milhares de dólares mensais para jornalistas famosos.
"Trata-se de propaganda política oculta", disse Viacheslav Nikonov, estrategista da campanha de Ieltsin, ao "The Washington Post". "É um recurso usado em todas as campanhas, por todos os políticos e em todos os países."

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