São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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REPENSAR O DÉFICIT PÚBLICO

Na semana passada o governo argentino pediu um "waiver" (perdão) de metas fiscais acertadas com o FMI. É uma história conhecida dos brasileiros, que nos anos 80 enviaram inúmeras cartas de intenções ao Fundo e outros tantos pedidos de dispensa de cumprimento de metas.
Mas o fato é que hoje o governo brasileiro continua sem conseguir produzir o ajuste fiscal que, até poucas semanas atrás, era tido como questão de vida ou morte para o plano de estabilização. É bom que o Plano Real tenha chegado aonde chegou sem o FMI. Mas é difícil acreditar que numa perspectiva de longo prazo a estabilização seja consistente com um desequilíbrio grande e crônico das contas públicas.
O problema fundamental é saber como reduzir esse déficit. As reformas constitucionais e a privatização podem ser considerados meios importantes para atingir o objetivo. Ainda assim, o caso argentino é curioso, pois a privatização lá praticamente já se esgotou, houve reforma do Estado, mas o déficit persiste.
A observação dos países desenvolvidos traz inquietações análogas. Embora as causas dos desequilíbrios sejam distintas e os indicadores oscilem ciclicamente (ou seja, o déficit cai quando as economias crescem mais), esses países nos últimos anos têm convivido com déficits crônicos (apenas o Japão chegou a constituir uma exceção temporária). O problema tem levado alguns dos principais organismos multilaterais, como o FMI, a OCDE, o BIS e o Banco Mundial, a repetidos alertas.
Talvez seja possível conviver com déficits crônicos, que aumentam ou se reduzem de acordo com o momento do ciclo econômico. Mas há um desconforto global, à medida que os mercados financeiros internacionais transformaram-se em tribunais ininterruptos e instantâneos da qualidade fiscal dos governos. Ou seja, as bases de financiamento dos déficits públicos são voláteis, instáveis e sujeitas a ondas especulativas de grande força.
O ideal seria reduzir os déficits e depender menos desses mercados. Mas uma redução generalizada dos déficits (ou seja, governos gastando menos e arrecadando mais) levaria a economia global a uma retração talvez ainda pior do que conviver com os desequilíbrios fiscais.
Daí a insistência generalizada na necessidade de políticas econômicas coordenadas. E a exigência de repensar a questão do déficit público, tanto no Primeiro quanto nos outros "mundos". O fenômeno parece cada vez mais adquirir o caráter de sintoma ou resultado e não de causa ou condicionante férreo do sucesso econômico de cada país.

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