São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 1996
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'Falta democracia e competência aos sem-terra, afirma sociólogo

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Falta democracia e competência aos sem-terra, afirma sociólogo
O MST (Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra) está deixando de ser um movimento social para se transformar numa organização burocrática, com todos os vícios dos grupos fortemente ideologizados de esquerda.
Entre as características hoje predominantes no MST estariam a ausência de preocupação com a democracia interna e externa, a falta de competência para organizar e gerir o trabalho das famílias assentadas e uma crescente dissociação entre o pensamento da cúpula e as bases do movimento.
Essa foi a conclusão geral a que chegou o sociólogo Zander Navarro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), ontem, durante o debate "O Acesso à Terra no Brasil", na reunião da SBPC.
Além dele, participaram da mesa a coordenadora Josefa Salete Cavalcanti, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a socióloga Regina Bruno, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), e o sociólogo César Barreira, da Universidade Federal do Ceará (UFCE).
Ao iniciar sua fala, surpreendente para a platéia e os demais debatedores pela avaliação cáustica do MST, Zander ressalvou que poderia fazer algo "laudatório" em função do atual clima ideológico favorável ao movimento. "Mas isso é um fórum científico, não um comício. Nós, que colaboramos com os sem-terra e somos de esquerda, temos a obrigação de aqui dizer a verdade", disse.
Segundo ele, fala-se muito do MST, ele está todo dia na mídia, mas ninguém conhece o que seja o movimento. "Como o Brasil é muito paroquial, só agora, que o movimento se enraizou em São Paulo, as pessoas descobriram que ele existe. Até caderno especial no nosso maior jornal os sem-terra ganharam", comentou, numa referência ao caderno publicado pela Folha no mês passado.
Três fases
Zander disse que o MST nasceu no início da década de 80 como um movimento social fortemente influenciado pela Igreja Católica, com traços basistas. A partir de 87, continuou, o MST passa assumir o ideário marxista ortodoxo. "Deixa de ser um movimento e vai virando uma organização, preocupada em formar quadros".
A partir de 94, prosseguiu o sociólogo, com a ocupação do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, o MST ganha os jornais e adquire projeção nacional, justamente no momento em que sua força começa a refluir em vários estados.
Segundo Zander, há um abismo entre lideranças e base do movimento. "O MST tem exercido formas de controle social nos acampamentos muito autoritárias, extremamente antidemocráticas". Se essa organização interna não for revista, disse, "o MST não conseguirá resultados expressivos no médio prazo".
Um dos problemas práticos mais gritantes seria a incapacidade das lideranças em lidar com a realidade econômica a cada vez que ocorrem assentamentos. "A visão ideológica predominante impede que as famílias recebam orientação efetiva. Assim, os assentamentos só dão sobrevida, mas não condições de vida a quem nunca teve acesso à terra", concluiu.

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