São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 1996
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A China no Brasil

CELSO PINTO

Ontem de manhã uma "trading" chinesa ligou para a direção da Coteminas, em São Paulo, com um pedido: ela quer comprar 140 mil dúzias, ou 1.680.000 camisetas. Estão dispostos a pagar US$ 0,87 por camiseta.
Mau negócio para os chineses. A Wentex, uma unidade do mesmo grupo (Wembley) a que pertence a Coteminas, já está fabricando camisetas, de uma qualidade superior à descrita, por telefone, pelos chineses, por US$ 0,75 a unidade.
O caso da Wentex-Coteminas é um exemplo a ser lembrado, no momento em que Brasília reacendeu a chama protecionista. Apesar de o Brasil ter acabado de impor cotas de importação para tecidos chineses, pelo menos uma empresa têxtil brasileira é capaz de vender barato e com lucro aos chineses.
A Wentex é uma nova unidade, sediada em Natal, Rio Grande do Norte, que começou a vender seus produtos (camisetas, camisas polo e regata) em julho. Vai produzir 62 milhões de camisetas no primeiro ano, ou 9,5% do mercado nacional e deve triplicar a produção até 1998.
Seu preço de venda, US$ 0,75 por camiseta, é o mais baixo do mundo (Ásia incluída), segundo Josué Gomes da Silva, principal executivo e filho do fundador do grupo Wembley. O competidor mais próximo da Wentex no Brasil produz uma camiseta comparável a US$ 1,10 a unidade, segundo uma análise feita pelo banco de investimentos Garantia.
Qual o segredo? Operar no Nordeste ajuda em alguns custos, como o da mão-de-obra, mas Gomes da Silva define o setor têxtil, hoje, como intensivo em capital, não em mão-de-obra. O projeto da Wentex usará cerca de mil funcionários na fase final da confecção. Ele admite também que os incentivos fiscais da Sudene são um estímulo.
As outras unidades do grupo também são competitivas e há muitos anos. O grupo Wembley foi fundado por José Alencar Gomes da Silva em 1964, e a Coteminas, em 75. O Wembley do nome não esconde um sócio externo disfarçado. Nasceu da aposta, errada, de seu fundador, que o Brasil levaria o tricampeonato mundial de futebol no estádio de Wembley, Inglaterra, em 66, e que isso daria fama instantânea à sua empresa.
A Coteminas nasceu em Montes Claros, zona da mata mineira, também beneficiada pelos incentivos da Sudene. O grupo tem três plantas em Montes Claros, duas no Rio Grande do Norte, e duas em construção em Campina Grande, Paraíba.
O segredo, no entanto, não é o perfil nordestino, certamente importante na hora de somar os custos, mas o investimento em tecnologia e a eficiência na operação. A abertura comercial, a partir de 1990, não afetou o grupo, que continuou crescendo a 34% ao ano nos últimos cinco anos.
A Coteminas opera em fiação, tecelagem, preparação, tinturaria e acabamento. Nenhum de seus produtos perdeu mercado para importados.
Gomes da Silva reconhece que o efeito mais sério da competição foi na área de confecções, especialmente em função do contrabando e de algumas práticas desleais. São, contudo, a seu ver, problemas pontuais, específicos.
Ninguém, aliás, jamais discordou da idéia que a abertura comercial deve vir acompanhada por instrumentos mais eficazes de defesa contra práticas desleais de comércio. Destinados, no entanto, a casos específicos, não a levantar um muro tarifário contra todas as importações, como se fez no caso dos brinquedos, para proteger um pequeno grupo de empresários.
Gomes da Silva também reclama dos custos financeiros do Brasil e dos custos fiscais. Acha, contudo, que o setor têxtil brasileiro, ao contrário da imagem pública que criou, é e pode continuar sendo competitivo internacionalmente. As exceções se explicam pela ineficiência.
Isso não quer dizer que a abertura não tenha afetado setores industriais, que o câmbio não tenha ido na contramão, ou que a indústria brasileira seja feita toda de Coteminas. É apenas um lembrete de que proteções comerciais não devem premiar a ineficiência, ou inibir a busca de competitividade.
Não por acaso, segundo dados da Economática, desde o primeiro dia do Real as ações da Coteminas PN subiram 83%, enquanto as da Estrela PN caíram 64%.

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