São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 1996
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A insensatez da CPMF

MAILSON DA NÓBREGA

O estudo da historiadora Barbara Tuchman sobre a insensatez no governo se encaixa como uma luva no caso da CPMF. Segundo ela, equívocos célebres, de Tróia ao Vietnã, ocorreram porque se caminhou para o desastre quando havia tudo para evitá-lo.
As reflexões de sua famosa obra ("The March of Folly", de 1985) são valiosas para explicar por que um governo integrado por pessoas de tantas qualidades intelectuais, como o de FHC, pode escolher a rota do erro.
A afirmação inicial do livro é também sua magistral conclusão. Segundo ela, "um fenômeno notável ao longo da história, independentemente de lugar e tempo, é a busca, pelos governos, de políticas contrárias ao seu próprio interesse".
É assim com a CPMF. Ela dificultará os esforços de estabilização da economia, exatamente a fonte básica de legitimidade política de FHC e instrumento de apoio social para a tarefa ciclópica de obter as reformas de que o país precisa.
É unânime o entendimento de que esse é um imposto mau. Aumentará a cunha fiscal no sistema financeiro, podendo desestimular a poupança e ampliar o custo das empresas. Conspirará contra a criação de empregos.
Se houver fuga da poupança pra o consumo, pressões inflacionárias se instalarão na economia. O aquecimento artificialmente produzido pelo governo pode trazer um crescimento econômico temporário, que se esgotará mais à frente via inflação.
A CPMF é um imposto em cascata. Incide sobre si mesma inúmeras vezes, amplificando o seu custo para o sistema produtivo, com impacto sobre os preços.
A CPMF pode interferir na alocação dos recursos da sociedade e incentivar a verticalização burra da atividade econômica, pelo mero desejo de eliminar a incidência do imposto.
Seu valor se entranhará no custo dos produtos exportáveis, sendo impossível a desoneração. O país ficará menos competitivo. As exportações podem cair, o que poria em risco o Plano Real e destruiria preciosos postos de trabalho.
O crescimento das exportações é crucial para a sustentação da política cambial, por seu turno uma das principais âncoras do programa de estabilização. Com a CPMF, gerir o câmbio ficará mais arriscado.
A política monetária também será mais difícil depois da CPMF. A cunha fiscal vai prejudicar o manejo da política, pois estabelece um piso para as taxas de juros nominais. Abaixo dele, o ganho do aplicador será tragado pelo imposto.
Assim, a CPMF poderá levar o governo a um aumento desnecessário dos juros. A elevação correspondente do custo da dívida pública poderá ser superior à arrecadação do tributo. A despesa seria maior do que a receita do imposto. É a insensatez em grau máximo.
A CPMF é um imposto regressivo: incide proporcionalmente mais sobre os pobres. O problema não é apenas sua cobrança no salário ou na aposentadoria, mas o seu efeito em cascata sobre os bens e serviços. Isentar certas categorias não as exime do tributo. Em resumo, a CPMF é a antítese do discurso de FHC sobre estabilidade, crescimento e justiça social.
Dado que a insensatez é inerente aos indivíduos, pode-se esperar algo diferente dos governos? E por que se preocupar com isso? O problema, diz Tuchman, é que a insensatez dos governos é mais danosa ao povo do que a dos indivíduos.
Faz parte da arte de governar, afirma ela, a capacidade de perceber o caráter danoso de uma dada política, a coragem para reconhecer o erro e a sabedoria para revertê-lo.
O presidente e seus líderes no Congresso poderiam ouvir mais o que diferentes correntes de opinião dizem sobre a CPMF e menos o argumento falacioso e ingênuo de que a resistência vem das elites ou do sistema financeiro.
FHC pode colher argumentos corretos no seu próprio governo. O silêncio da equipe econômica é uma pista para localizar fontes corretas de informação.
A saída é deixar que a Câmara rejeite a proposta na segunda votação. Ainda há tempo, pois, para evitar um ato contra os interesses do governo, do país e, principalmente, dos pobres.

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