São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 1996
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Um tributo manifestamente imbecil

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Costumo dizer a meus alunos que há três tipos de tributos: os bons, os injustos e os imbecis. Os bons são aqueles cujo peso não é sentido pela sociedade e que beneficiam o Estado produtor de serviços. Os injustos servem apenas aos governos e não à sociedade, como ocorre com grande parte da carga tributária brasileira, arrecadada somente para sustentar os detentores e as corporações no poder. E, por fim, os imbecis, que não beneficiam nem a sociedade, nem o governo.
A CPMF está na categoria dos tributos notoriamente burros, manifestamente imbecis, nitidamente estúpidos, visto que não beneficia o governo, não beneficia a sociedade, não beneficia a nação, não beneficia a empresa, não beneficia o trabalhador, mas beneficiará os empresários e trabalhadores de outros países, em face da elevação do "custo Brasil" nos preços dos produtos e serviços nacionais, com sensível perda de competitividade comercial.
Não é bom para o governo, pois deverá este aumentar a taxa de juros para compensar a perda de rendimento das aplicações financeiras e, como conseguiu, durante o Plano Real, triplicar a dívida interna (US$ 50 bilhões para US$ 150 bilhões), terá que devolver em juros o que arrecadar com o tributo para manter seus títulos "digeríveis" pelo mercado. Se pretender que o mercado absorva tal "imposição", haverá evidente desvio de recursos para o consumo, o que poderá desestabilizar o Plano Real.
Quem tiver, por exemplo, uma caderneta de poupança verá seus rendimentos caírem assustadoramente. Hoje são eles negativos, em face de uma inflação em torno de 1,5%. Se for retirado 0,4% (entrada e saída de depósitos e rendimentos), não valerá mais a pena poupar, pois, quanto maior a poupança, maior a perda.
Se o governo isentar as cadernetas, haverá uma transferência de recursos para elas, descompassando outros segmentos financeiros e reduzindo sensivelmente a previsão de receita, sobre ficar, o governo, com o "abacaxi" de girar sua dívida interna tributada. Se aumentar as taxas de remuneração das cadernetas para evitar o êxodo, sofrerão os mutuários, que terão elevadas suas prestações, o que, evidentemente, transformará a CPMF num tributo "anti-social".
Por outro lado, se houver aumento de juros, toda empresa nacional ficará prejudicada na concorrência com a empresa estrangeira. De qualquer forma, mesmo que não haja elevação, a multiplicação da incidência nas diversas operações no mercado interno elevará o custo do produto e do serviço nacional em face daqueles importados, visto que nesses a cumulatividade da nova contribuição será menor.
Numa indústria sofisticada, em que, para a obtenção do produto final, haja oito ou dez operações, com incidência do tributo oito ou dez vezes nos pagamentos respectivos, perderá ela competitividade nos mercados externo e interno perante o produto estrangeiro, desonerado em grande parte de incidência, à falta de operações intermediárias.
O aumento do "custo Brasil", de um lado, a pressão sobre o endividamento interno que a CPMF provocará na taxa de juros, de outro lado, e a oneração de toda a sociedade brasileira, desestimulada a fazer aplicações financeiras, a não ser que o ônus da imposição seja compensado por taxas mais elevadas -o que é de se esperar, mas colocará em risco a estabilidade do real-, demonstram que esse "quasímodo tributário" está entre os denominados tributos imbecis, pois ninguém ganha, e todos perdem.
Certa vez, debatia, em um painel com ex-presidente do Banco Central e notável professor de economia, em sua primeira manifestação pública após quatro meses de silêncio, que se seguiram a seu pedido de demissão, quando ele explicou que esse período de silêncio fora necessário para que voltasse a raciocinar porque, dizia, o "governo emburrece". Ao ver a aprovação da CPMF, sou tentado a acreditar na afirmação do eminente mestre de economia.

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