São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996 |
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Apelando para a ignorância
MARCELO MANSFIELD
Ele verá, em vários quadros cômicos (assim chamados) de diversos programas humorísticos (assim rotulados) inúmeros cidadãos de sexo indeciso (por nascimento ou por amor a arte) pavoneando-se entre um diálogo e outro. Verá uma inflação de "travestis" como que a quererem provar que o brasileiro é másculo, mas também não é fanático. Isso é um típico sintoma da indigência mental que grassa no meio da "inteligentsia" (?) artística da TV, isto é, dos produtores de "shows". Tirando as honrosas exceções de praxe, o que acontece é, na falta de imaginação criadora, uma apelação às degenerações mentais e físicas da espécie humana: surgem então o "Gaguinho", o "Mudinho", o... bem, vocês entenderam. E então, minha gente, vamos tentar apresentar esta coisa inédita e original na TV: um personagem engraçado e... normal? Não, eu não escrevi isso não. O texto acima é uma crítica da coluna "TV Society", do colunista Dudu D'Almeida para a edição número 60 da revista "Intervalo" de março de 1964 -não é de se espantar que logo depois veio a revolução... Se fosse escrita hoje, quase no cinquentenário de existência da TV no Brasil, pouca coisa teria mudado: o termo "travesti" seria mudada para a mais "fashionable" "drag queen", embora essa também já esteja meio em desuso; as "honrosas exceções de praxe" seria substituída por "Comédia da Vida Privada" (oficialmente a única exceção) e "inteligentsia" artística nem seria citada, pois ficou perdida, como nesse caso, em alguma página de revista dos anos 60, quando a televisão pensava, e Chacrinha gritava "na televisão nada se cria, tudo se copia". E tinha razão. Tá tudo aí de novo. É engraçado notar, que pouco tempo depois, poucos anos depois da publicação desse comentário, tanta coisa tenha mudado na TV dos tempos de ditadura. As novelas se renovaram -"Beto Rockefeller" foi o exemplo mais claro. Os humorísticos inovavam com formatos que fugiam à escola radiofônica. Os cuidados com a estética apresentavam um Brasil colorido e musical em "O Bem Amado" e "Gabriela". Temáticas adultas eram abordadas às claras no horário das 10 em novelas como "Bandeira Dois", onde Marília Pera dirigia um táxi para sobreviver a uma separação, assunto que no começo dos anos 80 atingiu seu clímax em "Malu Mulher" e "Amizade Colorida", só para citar alguns exemplos. Mas as gagueiras, defeitos, cores e opções voltaram. Se Dudu D'Almeida ler esta crônica, vai concordar comigo. Texto Anterior: Chitãozinho dialogaria com os sem-terra Próximo Texto: "Razão de Viver" grava casamento no Bom Retiro Índice |
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