São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 1996
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Gota d'água

LUÍS PAULO ROSENBERG

Que o econômico deve se subordinar ao político é lição aprendida desde o fim do governo militar. O país não deve ser conduzido pela vontade do PhD de plantão na Fazenda, que dita sua vontade com roupagem de atitude técnica.
Também sabemos que nenhum plano econômico exige rígidas dosagens e combinações de instrumentos de política econômica.
Feliz ou infelizmente, o ferramental econométrico ainda não atingiu um nível de sofisticação que nos permita afirmar que, se a alíquota da CPMF for superior a 0,175%, o Real será contundentemente afetado pela medida de criação do imposto.
Então, por que os economistas estão fazendo o céu desabar sobre o governo FHC, acusando o presidente de ameaçar a integridade do programa de estabilização ao patrocinar a aprovação da CPMF?
Porque o apoio ao encapetado imposto foi a gota d'água do descaso que Fernando Henrique vem revelando em relação à sua criatura, o Plano Real, como bem ilustram os exemplos seguintes.
Na área de preços públicos, há mais de um ano que os reajustes anualizados situam-se na faixa de 30%. Energia elétrica, tarifas telefônicas, taxas de serviços, passagens dos transportes coletivos, todos se comportam buscando sugar renda do setor privado para o público.
Ora, a lógica do plano exige exatamente o contrário: redução dos custos impostos pelo governo ao empresário, a fim de que o câmbio não precise ser desvalorizado para compensar elevações do "custo Brasil".
Em relação à competitividade da economia brasileira, há uma lei de proteção das montadoras de veículos aqui instaladas de fazer corar reservistas de mercado de carteirinha. Vem o novo ministro da Indústria e do Comércio e inviabiliza a importação de brinquedos e vinhos.
Como por onde passa boi passa boiada, como impedir, agora, que se protejam com alíquotas de importação de 70% produtores de camisinhas cor-de-rosa, próteses ortopédicas, extratores de sargaços ou bisturis para implantes de cabelos?
A lógica do Real depende crucialmente de ter um concorrente internacional fungando no cangote de cada empresário nacional que cogitar de recompor suas margens de lucro. O governo faz o contrário.
Da importância do equilíbrio fiscal é desnecessário lembrar: sem ele, o excesso de gasto público acaba pressionando os preços e reativando a espiral inflacionária.
E o que aconteceu com o gasto público desde que FHC foi nomeado ministro da Fazenda? Mais do que dobrou, em termos reais.
A saúde tem falta de recursos. O governo, em vez de cortar na carne e repassar ao ministro Jatene, fala em relançar o Proálcool, criando ensejo para que mais boquinhas envolvam os úberes generosos da viúva, transformando o leite das crianças em subsídios aos envolvidos com a produção do combustível inviável.
Neste cenário, aprovar um imposto burro, em cascata, regressivo, rejeitado pela teoria e pela prática dos que já tentaram implantá-lo, é realmente passar da conta. Pobre Plano Real, que, como o português do "Vira-Vira" dos Mamonas, está cantando o famoso refrão.

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