São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Razões

ANDRÉ LARA RESENDE

Apesar dos protestos, a aprovação da CPMF é compreensível. Vamos por partes. Nenhum imposto é bem-vindo -se assim não fosse, não se chamaria imposto.
O bom imposto deveria atender a quatro critérios básicos: o da equidade, para cobrar mais de quem pode mais; o da eficácia, para que o custo da arrecadação não supere o valor arrecadado; o da simplicidade, para não exigir doutorado em direito tributário do contribuinte; e, finalmente, o da neutralidade, para provocar o mínimo de distorções nas decisões individuais de poupança e investimento, entre outras.
O grande desafio da concepção de um sistema tributário está na compatibilização desses quatro critérios que são, infelizmente, quase sempre contraditórios. O imposto sobre movimentação financeira, como um imposto indireto e em cascata, que incide recursivamente sobre algo já taxado, atropela de forma grotesca os critérios de equidade e de neutralidade.
Aparentemente, atende bem aos critérios de simplicidade e de eficácia. Apenas aparentemente. Ao reduzir a remuneração líquida, que é a relevante, para o comprador dos títulos públicos, exigirá que os juros brutos pagos pelo Tesouro sejam mais altos.
O efeito sobre os custos da dívida pública podem vir a reduzir de forma drástica a aparente eficácia do imposto. O efeito distorcivo sobre as aplicações financeiras é de tal ordem que será preciso rever o sistema de fundos de curto prazo e a poupança.
Na tentativa de fazê-lo parecer menos regressivo pensa-se em isentar os aposentados e os assalariados até uma determinada renda. Os custos de reprogramação de todo o sistema operacional bancário já são suficientemente altos sem mais esse fator complicador.
Quem quer que tenha um mínimo de noção sobre a operacionalidade de uma proposta dessas sabe que o controle é inexequível.
Sei bem que invocar as dificuldades operacionais que o imposto traz para o sistema bancário é tarefa inglória. O argumento de que os custos da dívida pública serão maiores também não comove. Afinal o Banco Central andou segurando os juros na lua por razões aparentemente bem menos nobres do que a saúde. Mas a verdade é que a CPMF é um imposto distorcivo, iníquo, ineficaz e mais complexo do que parece. Aprovou-se um mau imposto, não há a menor dúvida.
Sinceramente, até aqui nada de novo. Já tivemos um imposto sobre transações e a sua transformação em imposto único foi defendida com bastante sucesso por gente considerada séria.
A aprovação da CPMF, defendida pelo ministro da Saúde com a garra e a convicção que falta a outras áreas do governo, em nome de uma causa inegavelmente justa e prioritária, é, portanto, compreensível.
Incompreensível é que ela tenha sido proposta por um governo que declara que a reforma fiscal é condição para a estabilidade e que a vinculação constitucional das receitas a despesas específicas é o maior empecilho para a reordenação das contas públicas.
Incompreensível é que o governo tenha defendido, contra a opinião unânime de sua área econômica, a aprovação de mais um mau imposto vinculado. Mas, afinal, os governos também têm razões que a razão desconhece.

Texto Anterior: Não às armas
Próximo Texto: A orgia das medidas provisórias
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.