São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 1996
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Mandela, o carisma da África

BENEDITA DA SILVA

Ao fechar a cortina dos inúmeros atos neste palco chamado século 20, entre os grandes protagonistas cabe-nos registrar o nome de Nelson Mandela.
Preso em cativeiro por mais de 27 anos, 18 dos quais em trabalhos forçados, vítima do apartheid, política racista imposta pela minoria branca, Mandela desponta no cenário político mundial com a força de um leão e um enorme carisma que sobe da África do Sul.
Ele acaba de visitar Londres, sendo hóspede do Palácio de Buckingham e uma das autoridades estrangeiras mais prestigiadas pelos ingleses. Seis mil pessoas o aplaudiram de pé. O povo, ao ouvir os hinos oficiais sul-africano e inglês, chorou de emoção.
O apartheid levou a África do Sul a humilhações e injustiças, deixando um duro legado de ódio racial e desigualdades ao marginalizar, por força de lei, 75% da população. Nelson Mandela ganhou a confiança popular, elegeu-se presidente pela força do voto e agora é aplaudido pela própria Inglaterra, a potência colonial que, no passado, submeteu aquele país.
Quando preso, lutamos em favor de sua libertação aqui no Brasil. Na ocasião, como deputada federal, levamos o Congresso Nacional, reunido em Assembléia Constituinte, a pedir a libertação de Nelson Mandela por considerarmos intolerável a convivência dessa condenação com a realidade contemporânea. Criamos uma Comissão Externa Mista do Poder Legislativo para observar os efeitos do regime do apartheid na África do Sul.
Visitamos a África do Sul por três vezes, numa delas como observadora das primeiras eleições livres daquele país. Representando o Congresso Nacional brasileiro, conhecemos de perto uma sociedade sob o domínio do apartheid. Pudemos, na ocasião, fazer uma avaliação do período de transição daquele regime racista para uma sociedade livre e democrática.
Como presidente do CNA (Congresso Nacional Africano), Mandela correu diversos países defendendo sanções contra a África do Sul, visando gerar efeitos contra a segregação racial: pregou a resistência contra o regime racista; liderou uma campanha política quando a violência dominou todo o processo de transição, tempo em que o então presidente Frederik de Klerk detinha o poder, período em que 20 mil pessoas já haviam morrido em conflitos internos.
Nelson Mandela tornou-se um símbolo mundial. Um símbolo contra a discriminação racial. Um símbolo pela paz. Um símbolo da resistência negra. Mandela sempre repetia que a sua liberdade estava condicionada à liberdade dos negros sul-africanos.
Por sua incansável luta, quando saiu da prisão, em fevereiro de 1990, de cabelos grisalhos, ele pôde ver uma África do Sul em transformação. Numa eleição histórica, 16 milhões de negros elegeram Mandela presidente da República da África do Sul. Em seu programa de governo, ele prometeu maior dignidade às famílias sul-africanas.
Mandela é um líder que venceu o ódio racial e está ensinando, tanto aos países africanos quanto a diversas nações, que o amor pode suplantar o ódio; que os homens podem viver livres; democraticamente, ter seu trabalho, sua família e ajudar uns aos outros.
Essa lição de vida é válida também para o nosso país, pois um governo democrático tem o dever de viabilizar ao povo uma melhor condição de vida. O Brasil está de portas abertas e deve estreitar suas relações com os países africanos. Entre eles, a África do Sul é uma prioridade. Ela está buscando alianças que possibilitem um melhor intercâmbio econômico e cultural.
Façamos nossas as palavras de Nelson Mandela contra a dominação racial. Acalentemos o desejo de uma sociedade justa, em que todas as pessoas vivam unidas, brancas ou negras, em harmonia e com iguais oportunidades.

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