São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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Palavra caiu em desuso nos anos 60

DA REDAÇÃO

O termo "caipira" (de origem tupi) designa os camponeses e outros trabalhadores rurais (com acesso precário à terra) nos Estados de São Paulo, Minas, Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul.
A palavra tem um sentido depreciativo, pejorativo. Como diz o Aurélio, o termo refere-se ao "habitante do campo e da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos e canhestros". É usado como sinônimo de "atrasado", "ingênuo", "tolo" e "casca-grossa".
Usada com frequência até a década de 50, a palavra começou a cair em desuso à medida que os conflitos no campo se ampliavam, como observou o sociólogo José de Souza Martins. O surgimento das Ligas Camponesas e a expansão dos sindicatos rurais no período se refletiram no plano linguístico com a difusão das palavras "camponês" e "trabalhador rural".
Aos poucos, os novos termos substituíram não só o "caipira" como todas as denominações regionais assemelhadas: caboclo, caiçara, capiau, sertanejo, roceiro, tabaréu, curumba etc.
Assim, no início dos anos 60, essas palavras foram desaparecendo pouco a pouco da linguagem cotidiana, encontrando seu último refúgio nos dicionários.
No início dos anos 80, os movimentos de trabalhadores rurais colocaram em evidência o termo "sem-terra", cuja ampla difusão já provoca o surgimento de outros derivados (como os "sem-teto"). Os "sem-terra" de hoje podem ser considerados os herdeiros dos "caipiras".
Antonio Candido
O mais conhecido estudo sobre a vida caipira é o livro "Os Parceiros do Rio Bonito", no qual Antonio Candido analisa a "vida caipira tradicional" em Bofete (SP).
Como observou Florestan Fernandes, o trabalho (datado de 1964) teve o mérito de pôr em evidência, no plano nacional, a situação dos homens pobres do campo.
Utilizando métodos antropológicos e sociológicos, Candido reconstrói o modo de vida desses trabalhadores que viviam à margem das fazendas, deslocando-se seguidamente de um lugar a outro:
"O caipira básico passava normalmente da enxada e do machado para o anzol e a espingarda, da foice para o visgo, a arapuca, a zagaia, o mundéo, como quem circula na mesma atmosfera contínua de luta pela vida."
Culinária
Ao longo do livro, o autor demonstra como o modo de vida dos caipiras se reflete em todas as esferas. É instrutivo notar como a culinária da região (virado à paulista, tutu à mineira, frango ao molho pardo) está condicionada pelas limitações impostas aos pequenos proprietários (e posseiros), que praticamente só podiam criar animais pequenos (porco e frango).
Dispondo de uma tecnologia precária, o caipira sobrevivia com uma dieta pobre, compensada em parte pela troca de presentes e de ajuda mútua com seus vizinhos.
Candido põe em relevo a extensa trama de relações de reciprocidade nessas comunidades, que incluíam desde a repartição da comida, as relações de parentesco e as festas -que sobreviveram, esteriotipadas, nas cidades.
Até mesmo a preguiça tradicionalmente atribuída ao caipira adquire novo sentido, quando se nota que ela é a expressão de uma comunidade que, como as sociedades tribais, não precisava produzir um produto excedente para os proprietários de terra.

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