São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 1996
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Seleção de antipatias

JANIO DE FREITAS

A culpa é do Zagallo, só pode ser. No sábado ainda era tudo maravilhoso, como atestava a manchete do "Globo": "Uma safra de boas notícias em junho", referindo-se às estatísticas oficiais relativas ao mês passado. Se não foi o humor que mudou, provocado por Zagallo, não sei o que aconteceu.
O primeiro susto nos jornais de ontem foi com o artigo de André Lara Resende na Folha. Agarrou-se à manchete de "O Globo" para virá-la do avesso, mostrando que a tal safra não era de boas, era de más notícias. Logo ele, que há poucas semanas, e no mesmo lugar, lançara a teoria de que as críticas e as notícias desfavoráveis ao governo resultam de "antipatia por Fernando Henrique" ou pelo governo todo.
André Lara e o seu pequenino banco têm motivos concretos, estimados em US$ 4O milhões de lucro anual, para olhar o mundo com simpatia e o governo, ou o presidente, com ternura. Não estaria agora, com certeza, negando sua teoria tanto quanto negava o caráter positivo da safra de estatísticas oficiais. Convincente, mas inexplicável, o seu artigo.
Para maior estarrecimento, os jornais de ontem tratavam também de outra safra: "Safra de grãos cai 8,5% e ministro prevê importação". Era a antipatia dos jornalistas descobrindo que as trapalhadas do governo com o crédito agrícola, além de outras trapalhadas, fazem a safra diminuir em quase 7 milhões de toneladas de grãos. Tudo bem. Com um pouco de simpatia, pode-se dizer que no Brasil ninguém é subnutrido, graças à distribuição da renda galinácea feita pelo Real.
Até o Brasil perder do Japão, o desemprego estava em queda acelerada, com a criação de grande quantidade de empregos novos, como Fernando Henrique tem ressaltado. Não se sabe de onde, senão da antipatia, os jornais de ontem tiraram manchetes assim: "Desemprego surpreende e bate recorde" ("O Globo") ou "Desemprego em SP bate novo recorde" (Folha), títulos que dispensam a citação de outros jornais.
Não era um dia para os praticantes da simpatia lerem jornais. Era virar a folha e aprender que "Despesas do governo sobem 11% com a proximidade das eleições". Isto porque, mostrava um quadro com o antipático título de "A deterioração das contas públicas", vem torrando dinheiro "para atender aos pedidos (de obras) de parlamentares aliados".
Mais uma página e lá estava a intriga de que só em junho, o mês da "safra de boas notícias", "o déficit do governo foi de R$ 2 bilhões". Mas o repentino mau humor não se satisfez com um número mensal por si só escandaloso, considerando-se que um dos compromissos solenes de Fernando Henrique era acabar com o déficit.
Além do mês, lá veio o número maior: "Déficit neste ano já chega a R$ 5,8 bi". Quer dizer, não adiantou muito que a Receita Federal aumentasse a arrecadação, porque o governo não quis saber de economia. A não ser para a saúde, para o ensino superior e para os funcionários.
Esse pessoal dos jornais, quando está de má vontade, é capaz das bolações mais impiedosas. Não bastando o destaque dado ao déficit de junho e o valor, em dinheiro, do déficit já acumulado neste ano, ainda veio um modo de tornar mais espantoso o buraco provocado pelos gastos descontrolados do governo. E em manchete também: "Déficit do Tesouro cresce 1.029% no semestre".
Só pode ter sido o Zagallo o criador da onda repentina de revelações antipáticas. Repentina e passageira, espero. Ou melhor, torço -olimpicamente.

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