São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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PAÍS DESPLUGADO

A consulta formal à OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre o regime automotivo brasileiro, reclamada pelo Japão na última quarta-feira, deve ser entendida como uma opção mais agressiva de negociação, mais que como guerra jurídica aberta e irreversível.
Neste momento, a declaração da Mitsubishi de que adiou a construção de sua fábrica no país até que as regras para o setor estejam mais claras também tem um sabor de pressão política sobre o Brasil.
Nada disso deve obscurecer, porém, o fato de que o regime de comércio exterior do país tem-se mostrado excessivamente errático, sem que nem sequer os organismos do próprio governo federal tenham até agora atuado de forma consistente.
A súbita redução de alíquotas no final de 94 foi uma resposta ao risco de que o crescimento da demanda naquele momento viesse a comprometer a estabilização. Alguns meses depois, com a deterioração do saldo comercial, elevaram-se as tarifas de importação de automóveis para 70%.
O regime automotivo que privilegia as importações de automóveis por parte das montadoras instaladas no Brasil foi, por fim, a conclusão de negociações entre as multinacionais do setor e o governo. Trocaram-se benefícios tarifários pela promessa de investimentos, dando atenção menor às regras de comércio internacional das quais o Brasil é signatário.
Deve-se reconhecer que uma economia sujeita aos solavancos de um processo de estabilização pode efetivamente exigir medidas duras e nem sempre permite um gerenciamento econômico suave. Ainda assim, é inegável que o Brasil está muito aquém da constituição de um regime comercial amplo e coerente, que sirva como referência de longo prazo, facilite o planejamento estratégico do setor privado e assim possa estimular os investimentos.
Quando se trata do comércio internacional, todas as nações procuram, evidentemente, defender seus próprios interesses. Mas a constatação de que muitos países são mais liberais no discurso externo que em suas próprias práticas não pode servir de pretexto para que o Brasil continue a adotar medidas de circunstância.
Assim, a ameaça japonesa é sobretudo didática. Ainda falta ao país uma política de desenvolvimento e comércio que seja abrangente, coesa e, antes de mais nada, estável.

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