São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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Concorrência e tempo econômico

GESNER OLIVEIRA

Agilidade e eficiência nos processos de decisão constituem pressupostos básicos para a defesa da concorrência. Isso decorre da própria natureza dinâmica da vida econômica, em que o tempo é uma variável chave, especialmente em economias globalizadas, sujeitas a crescente pressão competitiva.
A morosidade dos órgãos de defesa da concorrência desprotege o mercado. Suponha uma empresa vítima de preço predatório, isto é, de redução injustificada do preço abaixo do custo com o intuito de eliminar o concorrente. A demora na decisão pode acarretar danos irreparáveis, inclusive o desaparecimento da firma.
Mesmo em casos em que se verifica que a acusação não tem procedência, a demora na decisão é nociva. A empresa acusada pode sofrer danos não desprezíveis em sua reputação. Esta última tende a se tornar um ativo valioso nas economias modernas. A mera pendência judicial provoca incerteza para as partes envolvidas, gerando insegurança jurídica e reduzindo a rentabilidade do investimento.
Em casos de concentração do mercado que venham a ser considerados lesivos à concorrência, a lentidão também é danosa. Suponha que uma empresa adquiriu todas suas concorrentes e, com isso, passou a dominar o mercado de forma que se considere indesejável. O tempo joga contra o interesse público, pois, à medida que se prolonga o processo de decisão, os efeitos da concentração se manifestam e se sedimentam, tornando onerosa eventual desconstituição.
Qual a agilidade do Estado brasileiro para prevenir e/ou reprimir práticas abusivas ao livre funcionamento do mercado? Não surpreendentemente é pequena, dada a incipiência da defesa da concorrência em um país em que, há menos de uma década, 90% do PIB era gerado em mercados fortemente protegidos e controlados pela autoridade estatal.
De fato, a morosidade dos órgãos de defesa da concorrência constitui uma das principais falhas do sistema brasileiro. Basta dizer, a este respeito, que, no período 1994-96, o tempo médio de exame de processos administrativos no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) alcançou mais de oito meses; e o de atos de concentração, três meses.
Mas o Cade não é o único órgão participante do sistema. Antes de um processo administrativo chegar ao Cade para julgamento ele é instruído pela SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça e, em determinados casos, pela Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) do Ministério da Fazenda; em atos de concentração econômica, a lei prevê pareceres da SDE e da Seae. O tempo médio de exame no restante do sistema -isto é, na SDE e na Seae- é maior ainda, registrando espera média para exame de atos de concentração superior a dez meses, se tomados os três órgãos; e além de 28 meses, ou 2,3 anos, para processos administrativos!
Como sanar a inoperância de mecanismo tão importante para uma economia de mercado? Os países do Primeiro Mundo desenvolveram seus sistemas de defesa da concorrência há várias décadas; nos casos dos EUA, da Austrália e do Canadá, há mais de século. O Brasil precisa pisar no acelerador e, atento à experiência internacional, queimar etapas.
Defesa da concorrência não se faz por decreto. Portanto de nada adianta alterar, ao sabor das conjunturas, a legislação brasileira, que, aliás, não destoa, no essencial, da tendência mundial. É conhecido o aforismo que diz que melhor do que demorar-se na discussão sobre a excelência de uma norma jurídica é aplicá-la, livre e repetidamente.
Como então enfrentar o desafio de modernizar a prática do sistema brasileiro de defesa da concorrência? Graças ao empenho dos titulares e das equipes da SDE, Seae e do próprio Cade, verificam-se avanços em três direções. Em primeiro lugar, na imprescindível coordenação das ações entre os três órgãos, preservadas suas competências individuais. O cidadão não imagina quanto poderia ser poupado em termos de recursos e mal-entendidos se os órgãos públicos de áreas afins conversassem mais entre si.
Em segundo lugar, seguindo o exemplo da União Européia e dos EUA, pretende-se nas próximas semanas racionalizar o exame de atos de concentração, permitindo um requerimento simplificado para casos menos complexos.
Sem alterar a lei, é possível aperfeiçoar sua regulamentação, desburocratizar e reduzir custos para as empresas e para o setor público. Estima-se que, para a maioria dos casos, tal procedimento diminui o tempo médio de análise de atos de concentração dos dez meses mencionados antes para período inferior a dois meses, alcançando assim padrões internacionais.
Em terceiro lugar, verifica-se esforço no sentido de acelerar o andamento dos processos administrativos. Os conselheiros e a assessoria do Cade vêm realizando mutirão para dar cabo de dezenas de casos que permitem tratamento sumário, bem como resolver pendências antigas, algumas de quase dez anos e metros de papelório!
Como resultado desse empenho, 53 processos administrativos já foram julgados nos últimos dois meses e meio, número superior àquele obtido no período de dois anos até maio de 96 (28).
Como não existem milagres, esse esforço só frutificará se os órgãos de defesa da concorrência estiverem equipados. É promissor, nesse sentido, o decreto 1.952, de 9/7/96, que dota o Cade de estrutura mínima, bem como a recente realocação, por parte do Ministério da Administração, de 30 cargos de procuradores para o Cade, dez dos quais na SDE e três na Seae.
Tais ações representam passos iniciais importantes para a constituição de órgãos técnicos capazes de exercer suas atribuições legais. Cabe agora trabalhar para a consolidação de quadro permanente para o Cade, algo previsto para ser feito em 60 dias após edição da lei 8.884, de junho de 1994, mas olimpicamente ignorado.
A defesa da concorrência nunca constituiu prioridade do Brasil do passado. Na era CIP, órgãos como o Cade existiam formalmente, mas não eram feitos para funcionar. As autoridades usavam e abusavam de seu poder de intervenção no mercado, enquanto a morosidade da tramitação dos processos de direito econômico tornava ineficaz, na prática, o sistema legal.
No Brasil do Real, integrado à economia global, tornou-se indispensável defender a concorrência de forma ágil, adequada ao tempo econômico, sob pena de transformar o país em mercado de segunda categoria.

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