São Paulo, quarta-feira, 7 de agosto de 1996
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Fatos desafiam crenças

ANTONIO BARROS DE CASTRO

"Schmid diz que apóia a imposição de cotas e o estabelecimento de alíquotas de importação para proteger certas atividades industriais: 'Todos os países industrializados trabalham assim e são abertos'." Schmid é gerente-geral da Alpargatas Santista. (Folha, 5/8/96).
"O fato de nos transformarmos em uma empresa norte-americana nos dará alavancagem comercial e política. Existe uma grande diferença em vender suco, para a Europa, por exemplo, tendo por detrás os Estados Unidos." (Declaração do diretor jurídico da Cutrale, "Gazeta Mercantil", 25/7/96).
"Para tornar a localização da usina siderúrgica no Ceará mais competitiva que em outros Estados (...) o governo explorou os incentivos fiscais, arrancou da Petrobrás o fornecimento do gás natural a um preço 48% mais barato do que o praticado no resto do país (...)" Na mesma matéria: "Maranhão diz-se 'traído' pela Vale." ("Gazeta Mercantil", 4/8/96).
"A Volkswagen dá preferência a empresas com as quais já trabalha nas fábricas européias." Matéria acerca da definição de mais um supridor de autopeças para a fábrica de Taubaté. (Folha, 5/8/96).
"Primeiro a Fiesc (Federação das Industrias de Santa Catarina) procede a uma pré-seleção das empresas com potencial. Estas empresas serão analisadas pelo BNDESpar." Luís Nassif, acerca do lançamento do Fundo de Investimentos em Empresas Emergentes de Santa Catarina. (Folha, 2/8/96).
"A Eletros, diz Macedo, quer que o governo discuta a especialização da região e faça dela um pólo exportador." Declaração do presidente da Eletros. (Folha, 4/8/96).
Quem dera existisse na teoria econômica um capítulo que nos permitisse relacionar, com alguma consistência, os fatos acima evocados! Seria bem mais fácil entender algumas das mais importantes mudanças em curso no país. E, possivelmente, reduzir o grau de improvisação imperante no campo das medidas de política econômica para elas voltadas.
Uma coisa, no entanto, é certa. Se acabou o sonho do pós-guerra do gerenciamento das economias nacionais segundo objetivos de política econômica, também é verdade que nos encontramos a uma grande distância de uma economia regida unicamente por preços, determinados pelo singelo jogo da oferta e da procura. Longe disto, novas relações além-mercado (e velhas relações com novas roupagens) parecem estar ganhando terreno. Mas vamos aos fatos.
As duas primeiras citações aí estão para lembrar que os governos do chamado Primeiro Mundo não apenas protegem suas atividades como -no caso referido pelo diretor da Cutrale- emprestam seu 'peso' às empresas que pretendam penetrar em outros mercados a partir do seu território.
A alusão à siderúrgica conquistada pelo Ceará põe em evidência que os governos estaduais -como o norte-americano- também põem em campo a mão visível de sua influência política. A discrepância parece residir nos métodos empregados. A propósito, com que meios teria o governo (supostamente) "arrancado" da Petrobrás o fornecimento de gás pela metade do preço?
A referência à Volkswagen ressalta o fato, tão conhecido dos observadores quanto ignorado pela teoria econômica convencional, que em diversos ramos as empresas vêm estabelecendo relações estáveis entre si, negando-se com isso o postulado do distanciamento ("arm's length") dos agentes econômicos. Fica também aí sugerido que cabe às empresas líderes de cada rede, em maior ou menor medida, estruturar os conjuntos a que pertencem.
O episódio do fundo catarinense, saudado por Nassif como "um marco na modernização", põe em evidência o papel da federação das indústrias na renovação do tecido industrial daquele Estado. Chama também a atenção para a participação de órgãos tradicionais do governo (no caso, o BNDESpar) na inédita experiência ali em curso.
A última citação corporifica uma demanda -por parte de um setor que vai muito bem- de política industrial. Esta seria definida, como deve sê-lo, segundo as especificidades do setor eletroeletrônico, da região (Manaus) e relacionada, via exportações, com a política econômica do país.
O leitor decidirá do significado de tudo isso. Um coro de vozes continua a proclamar que os comportamentos econômicos devem responder unicamente aos preços. Estou entre os que crêem que novas formas de relacionamento dos poderes públicos com diversos atores sociais, com as empresas e destas entre si, estão sendo febrilmente recriadas -em vez de negadas ou superadas.
Indiscutivelmente, o que vai nascendo pouco ou nada tem a ver com o paradigma anteriormente vigente. Nele, o governo central (além de interferir intensamente nos mercados) praticamente monopolizava as relações além-mercado. Fechar os olhos para as novas dimensões e formas desse tipo de relacionamento não é negar o passado. É ignorar o presente e bloquear a discussão do futuro.

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