São Paulo, quarta-feira, 7 de agosto de 1996
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Publicitários fazem 'política da política'

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Erundina aparece de branco, quase dissolvida na luz dourada de um bosque europeu. O piano debulha-se em harmonias outonais. A voz da candidata, em "off", parece narrar um conto de fadas. "Ela mudou", diz o horário eleitoral.
Maluf mudou também -é o que dizem, há bastante tempo, seus técnicos de marketing. De fato, houve o PAS; o projeto Cingapura; a supressão dos óculos, o coração de plástico que foi símbolo de alguma campanha anterior -e Pitta, que sendo negro esquerdiza mais um pouco a administração.
Duas mudanças, portanto, a de Maluf e a de Erundina, o "PT que diz sim" e o Maluf amoroso, dão o tom da atual campanha.
Francisco Rossi sempre foi o retrato do bom rapaz.
José Serra, sem ser fisicamente bonito, tem em compensação a voz sincera, o olhar reto: é a obstinação de Maluf aveludada, como se, no começo de cada frase, Serra se encolhesse, gato que pouco depois resolvesse melhor saltar.
O que ocorre, em suma, no horário eleitoral? Duas coisas.
A primeira é que se tenta -e se consegue- passar uma imagem de mudança pessoal, de experiência subjetiva: Erundina e Maluf não são, nenhum dos dois, os demônios furiosos, surdos, cegos, que pareciam ser para setores importantes do eleitorado.
Cresceram, aprenderam, abriram seus corações e mentes para o vasto mundo, para a música contraditória e insaciável da vida.
Rossi e Serra, por sua vez, não têm porque afirmar mudança alguma; foram prefeitos, ostentam só a pureza de suas intenções, como Pitta, cuja falta de sobrancelhas é uma prova de incoerência e o malufismo, outra.
Nessa afirmação de mudança pessoal, de empenho em se corrigir, de humildade, existe certamente o dedo mágico dos profissionais de propaganda.
Se o horário eleitoral anda tão bem-feito, é mérito dos Duda Mendonça, dos Celso Loducca, dos gênios da imagem pública.
Seria errado, contudo, dizer que tudo se trata de uma grande mistificação, de uma imensa mentira televisiva.
Presto aqui uma homenagem aos técnicos de marketing, aos vendedores de imagens políticas. No fundo, são eles os reais intermediários entre a população e o candidato, entre o governo e a sociedade.
São eles, e não mais os políticos, quem se encarrega de medir, sentir e representar as opiniões da população.
Foram eles que ensinaram Maluf a ser menos detestável, a entregar-se a obras sociais; foram eles que suavizaram Erundina.
Intermediários entre o candidato e o eleitor, fazem uma espécie de política da política, de representação da representação.
São os verdadeiros intérpretes da vontade popular, num momento em que a política eleitoral se resolve apenas em função de imagens.
Mas aqui surge o segundo ponto interessante do horário eleitoral. Ao lado dos clipes sofisticados dos candidatos a prefeito, há também as mensagens primitivas dos candidatos a vereador.
Aqui, tudo é mais real e explícito. Há quem pretenda ser vereador da zona leste, quem se mostre representante dos taxistas, dos camelôs.
Em seu primitivismo, ilustram a velha imagem da política -a idéia de uma representação de interesses específicos.
Entre as caras dos candidatos a vereador e as imagens dos candidatos a prefeito, noto assim um contraste -o que existe entre a velha e nova política; a política de representação tosca e a política da imagem sofisticada.
Democracia? Certamente, essa se mostra mais forte do que nunca. Só que a idéia de uma imediatez, de uma transparência entre eleitor e candidato, fizeram-se mais sutis. Só são toscas nas candidaturas a vereador.
O mundo continua a girar, a política se sofistica, o eleitor se decepciona (faz parte de seu papel), mas ele é, apesar de tudo, senhor da situação, enquanto consumidor exigente das imagens que aparecem a sua vista.

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