São Paulo, quarta-feira, 7 de agosto de 1996
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Personagens vão à podridão, diz Thomas

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A nova montagem de "Quartett", que estréia amanhã, traz para o público o cerne da obra de um dramaturgo que é, por excelência, o "degradador do modernismo".
A definição é do diretor Gerald Thomas, para quem Heiner Muller, espécie de "mercador do nada", ilustra como poucos a mentalidade cínica da nossa época.
"A peça coloca em cena dois personagens que chegam a um estado de podridão afetiva e existencial, que não sabem mais como sobreviver ou lidar com essa virada de século", disse Gerald em entrevista à Folha.
O desafio do diretor foi montar um texto já clássico, apesar de jovem, com dois homens protagonizando o visconde de Valmont e a marquesa de Merteuil.
Ney Latorraca e Edilson Botelho trocam de papéis durante o espetáculo, invertem as funções de homem e mulher, embaralham os registros entre dominador e dominado, sedutor e seduzido.
"Isso foi um achado", diz Ney Latorraca, que também é o responsável pela produção do espetáculo, orçado em cerca de R$ 80 mil. "A troca dos atores duplica e espelha o jogo entre os personagens", explica o ator.
5 mil anos
Na avaliação de Latorraca, a peça de Muller "desterritorializa" o drama criado por Choderlos de Laclos. "Muller fala de amor e ódio como se estivesse pensando nos dias de hoje mas também num espectador daqui a quatro ou cinco mil anos", afirma.
Depois de tantos anos fazendo comédias, entre as quais "Irma Vap", encenada com Marco Nanini, Latorraca diz que, diante de um texto "tão difícil como o de Muller", se sente como se estivesse estreando novamente.
Edilson Botelho, que trabalha há nove anos com Gerald Thomas na Cia. de Ópera Seca, diz que a peça "é meio assustadora, o texto é muito forte, é uma exposição muito crua da decadência humana".
Na avaliação de Thomas, a força de Muller se deve a uma espécie de paradoxo. "Ele reúne o que há de mais profundo e o que há de mais pastiche na dramaturgia contemporânea", diz Gerald.
Essa dualidade, continua o diretor, se prolonga na relação que Muller manteve com os autores consagrados do passado. "Ele ironiza e achincalha os personagens clássicos, mas mantém intactos seus autores. Destrói Hamlet, mas reverencia Shakespeare".
(FERNANDO BARROS E SILVA)

Peça: "Quartett", de Heiner Muller Elenco: Ney Latorraca e Edilson Botelho Direção: Gerald Thomas
Onde: Teatro Caetano de Campos (Praça da República, entrada pela avenida São Luiz, tel. 255-4077, ramal 223)
Quando: qui, sex e sáb, 21h; dom, 20h; estréia amanhã
Quanto: R$ 25 (qui) e R$ 30 (demais dias)

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